Esse episódio do vai-e-vem da nomeação de Cristiane Brasil, a filha de Roberto Jefferson e expoente do PTB nacional, para o ministério do Trabalho, deslinda com clareza o ritual do fisiologismo que é praticado pelo governo do presidente Michel Temer. Pensou-se que o estigma fisiológico fosse parar nas batalhas travadas por Temer para conseguir aprovar a reforma da Previdência, o que ainda não aconteceu a despeito de todo o rolo compressor montado a fim de cooptar os 306 votos necessários em plenário. A reforma, ao que tudo indica, vai ficar mesmo para as Calendas Gregas.
No caso da nomeação de Cristiane Brasil, houve falta de habilidade do presidente da República. Ao invés de domesticar o PTB, como cogitava, ele açulou os ânimos do partido e mexeu com instintos primitivos do barítono Roberto Jefferson, o delator do mensalão. O problema é que Cristiane não tem um currículo, tem um prontuário, o que dificulta o agrément da Justiça para ser investida em ministério. Instintos primitivos foi expressão usada por Jefferson, quando deputado federal, na ocasião em que acusou José Dirceu de trair o então presidente Lula no caso do mensalão. Teatral, Jefferson exortou numa entrevista: Sai daí, Zé, para que um inocente não pague por um pecado que não cometeu. Zé acabou saindo.
Jefferson foi um dos beneficiários do mensalão, juntamente com companheiros do PTB. Remotamente havia participado da tropa de choque do ex-presidente Fernando Collor de Melo que se batia no Parlamento para evitar o seu impeachment afinal consumado em 1992. No affair do mensalão, Jefferson acabou tendo o mandato cassado, como foram cassados os mandatos de parlamentares de outros partidos privilegiados pela distribuição de mesada. Registra o colunista Leandro Mazzini, no seu espaço denominado Esplanada, que é reproduzido pelo jornal Correio da Paraíba, que Jefferson, o pai da quase-ministra do Trabalho, franze a testa e altera o tom de voz quando é chamado de delator do mensalão. E ai de quem sugere ao ex-deputado, dentro do PTB, outro nome do partido para assumir o comando do Trabalho. O delator do mensalão reage com rispidez e diz que a filha será ministra, custe o que custar.
O presidente Michel Temer queima as pestanas para tentar solucionar o imbróglio. Mas a tendência é cozinhar as coisas em fogo brando até que a nomeação seja impedida definitivamente. Temer ganharia fôlego, nesse caso, para sair-se da enrascada em que se meteu ao convidar a filha de Roberto Jefferson para a Pasta do Trabalho. Se é que há saída à vista, diante de todo o estrago feito e do paiol de denúncias e insinuações cercando a candidata preferida para aquela Pasta. Tudo poderia ter sido evitado se o presidente da República tivesse o cuidado de investigar a folha corrida de candidatos ou candidatas a ministérios antes de oficializar a nomeação no Diário Oficial. Mas o afã de exercitar o fisiologismo fala mais alto, ainda que ponha tudo a perder. O ministério do Trabalho, que teoricamente é uma Pasta estratégica, está aí, impreenchível por causa de um desaguisado judicial e não há perspectiva de equacionamento da pendenga.
É o retrato do medíocre governo temporário do presidente Michel Temer ele mesmo flagrado em gravação de áudio e vídeo pelo escroque Joesley Batista, da JBS, incentivando o pagamento de propinas a Eduardo Cunha como estratégia de compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Federal, hoje hóspede do presídio da Papuda. A frase de Temer Tem que manter isso aí, ou seja, o pagamento de propina a Cunha, vai virar marcha carnavalesca no Rio de Janeiro. É um desideratum legítimo, se se levar em conta que o governo não é sério. Assim caminha o Brasil.
Nonato Guedes
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