Que tiro foi esse?, viralizam memes na Internet a propósito da elevação, ontem, pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região da pena atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, segundo consta dos autos apresentados pelos desembargadores que compõem a Corte instalada em Porto Alegre. Os juízes não só acolheram a pena de prisão que Sergio Moro havia imputado, de nove anos e seis meses, como acharam prudente fixá-la em doze anos. A chamada dosimetria da pena foi explicada pelos magistrados como reflexo de novos subsídios colhidos no processo de produção de provas e que incriminam o ex-presidente além do nível de envolvimento que ele negava.
Os lulopetistas, com apoio de estruturas políticas-partidárias, prepararam um cenário para tirar proveito do cadafalso a que Lula seria conduzido. Não restava dúvida sobre a condenação, para a maioria dos que acompanham o vai-e-vem da política nacional. O que causou surpresa foi o rigor considerado excessivo pelos petistas, talvez por acharem que ministros indicados por Lula e Dilma deveriam agir como cordeirinhos a serviço da caneta que os colocou lá, por mais que tenham sido colocados por merecimento. Essa interpretação enviesada do exercício do poder já havia sido testada no episódio do mensalão, em que o ministro Joaquim Barbosa, indicado na Era Lula, foi impiedoso ao seguir os autos, da mesma forma como Lula e lulopetistas foram vorazes ao seguir o caminho do dinheiro amealhado em transações ilícitas e a um custo danoso para o erário público.
A unanimidade que se verificou, ontem, em Porto Alegre, reduz a quantidade de recursos que a defesa de Lula pode apresentar. E, nos termos da lei, nem haverá mais espaço para a produção ou apresentação de provas. O PT ou a defesa de Lula possuem como única alternativa à vista a apresentação de embargos de declaração, que se prestam mais a dirimir dúvidas do que a acrescentar evidências em prol da defesa de constituintes inquinados. Lembro, muito bem, quando atuava na imprensa escrita e radiofônica em João Pessoa, da insistência com que eu abordava o advogado Luciano Pires sobre a abrangência e utilidade dos tais embargos de declaração. Pires, na época, atuava na banca que defendia o então governador Cássio Cunha Lima, acusado de conduta vedada e improbidade administrativa por adversários. O embargo de declaração, preclaro jornalista, é o mais humilde dos instrumentos jurídicos que temos, explicava, didática e pacientemente, o doutor Luciano Pires.
Os juristas da banca adversária de Cássio, por sua vez, tentavam a todo custo fazer crer que os tais embargos de declaração estavam sendo impetrados por ele e recepcionados pelas Cortes apenas como estratégia de procrastinação de uma decisão terminativa. Ou seja, os cassistas, por esse raciocínio, operavam no sentido de protelar ao máximo o afastamento de Cunha Lima do exercício do governo. E fato é que Cássio ficou um tempo do segundo mandato dependurado em liminares judiciais, que, como se sabe, tinham efeito precário e podiam ser sustadas ou revogadas a qualquer momento. Em fevereiro de 2009, depois de toda a peleja de Cássio e da sua competente banca de advocacia, chegou o veredicto afastando-o do cargo e convocando-se José Maranhão-Luciano Cartaxo para se investirem automaticamente no comando do Executivo.
Narro esses fatos sem nenhum interesse em entrar no mérito das alegações que fundamentavam os embargos de declaração e cujo teor tantas vezes publiquei em páginas noticiosas e em colunas de opinião que eu assinava no Correio da Paraíba ou em O Norte. Procurei divulgar o que argumentavam os defensores do senador Cássio e o que, no contraponto, aduziam os advogados de coligação adversária que pelejava pela cassação do mandato. Uma vez cassado, Cunha Lima declarou-se vítima do maior erro judiciário da história do Brasil. Fiz o registro, como convinha. Águas passadas, é claro. Mas é curioso como o embargo de declaração, o mais humilde de todos os recursos, ainda prevaleça no Direito Eleitoral. Não é à toa que o Direito é uma matéria apaixonante, fascinante e que os operadores dessa profissão tenham a capacidade de sacar do bolso do colete as mais distintas e inesperadas fórmulas tudo para evitar o jus espeerneandi, que nada mais é que o direito de estrebuchar, para quem perdeu, como se dá hoje com Lula. O Direito é atraente justamente pelas filigranas, disse-me, certa vez, um jurista experimentado da província, comparando as filigranas às curvas que modelam corpos femininos e que tornam mulheres mais deslumbrantes do que normalmente são. As curvas femininas, dependendo da interpretação, não fazem tanto mal quanto os embargos de declaração E a analogia, talvez seja machista e deveras impertinente, pelo que me penitencio antecipadamente. Até porque elas, as curvas, não embargam; pelo contrário, se abrem à vastidão da exploração da saciedade de desejos do bicho-homem. Ou não, doutor Luciano Pires?
Por Nonato Guedes