Aliados mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado duas vezes por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pretendem explorar um argumento histórico em sua defesa: a perseguição movida pelos inimigos do presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, quando este deixou o poder e foi para o exílio no exterior com a mulher, Sarah, e filhas. No livro Uma história de amor, João Pinheiro Neto revela que após ter sido abatido pela ditadura militar, que cassou seus direitos políticos, impedindo-o novamente de ser candidato a presidente, JK transformou-se num ser amargo, deprimido, que só na companhia de figuras amigas reencontrava um pouco da alegria e do incurável otimismo, marcas de sua personalidade.
João Pinheiro relata que no dia 9 de abril de 1967, vindo de Miami e acompanhado de dona Sarah, e da filha Márcia, JK rompeu o exílio e voltou à pátria. Iniciava-se, então, nas palavras do autor, o cerco do ódio, da inveja e da burrice contra alguém cujo único pecado fora o de ter realizado um dos maiores governos do Brasil contemporâneo, assegurando em toda a sua plenitude o exercício do regime democrático. Logo de início, pouco depois de sua chegada, a intolerante e rancorosa ação autoritária indiciou JK em dois processos o primeiro na Quarta Vara Federal, cuja titular era a juíza Maria Rita Soares de Andrade, referia-se à doação de um automóvel Alfa-Romeo a dona Sarah pela Fábrica Nacional de Motores, por ocasião do lançamento desse carro no Brasil. O delegado do inquérito dizia que a doação fora em pagamento de empréstimo da União à fábrica para instalação de linha de montagem do veículo e que Juscelino, na qualidade de marido casado em regime de comunhão de bens, se beneficiara com a indevida doação. Por isso, ambos foram indiciados e tiveram que comparecer à Polícia Federal para que fossem cumpridas as exigências da indiciação, dentre elas a identificação criminal, o que foi feito à noite, fora do expediente normal das repartições. Por entender absurda a indiciação e inexistentes nos autos qualquer prova incriminadora, o procurador da República Sérgio Ribeiro da Costa pediu o arquivamento do inquérito, o que foi acolhido pela magistrada.
Mesmo assim prossegue João Pinheiro não cochilava a sanha dos inimigos e raivosos detratores de JK. Além da humilhação a que submeteram D. Sarah e Juscelino, nova investida foi articulada. Na Quinta Vara Federal preparou-se outra acusação caluniosa contra Juscelino: corrupção passiva. O então titular da Quinta Vara era o juiz Américo Luiz, mais tarde ministro do Superior Tribunal de Justiça. A situação era mais grave porque atingia profundamente a honra do presidente. Alegavam que houve majoração no preço da obra da Ponte da Amizade, ligando o Brasil ao Paraguai, construída no governo JK. Na verdade, houve alteração no projeto inicial, feita secretamente pelo Exército, adaptando-o para suportar veículos pesados, como tanques de guerra.
Pior, ainda, segundo Juscelino: diziam que o apartamento que ele ocupava lhe fora dado a título de comissão pela empreiteira da obra, pela elevação do preço inicial do projeto da ponte, e o acusavam de enriquecimento ilícito. Revoltado, Juscelino dizia que se tratava de mais uma mentira descarada, já que o apartamento era de Sebastião Paes de Almeida, antigo ministro da Fazenda do seu governo, que o cedeu como moradia provisória, até que pudesse alojar-se definitivamente o ex-presidente. Falavam também em confiscar oss bens de Juscelino. Foi quando ele desabafou a João Pinheiro: Se tal acontecer, eu não vacilaria um minuto em imitar o gesto extremo de Getúlio Vargas (que suicidou-se em 1954). Os processos foram arquivados no âmbito judicial. Juscelino, extremamente comovido a ponto de ir às lágrimas com a comprovação de sua inocência, desabafou: Tenho certeza de que hoje vou dormir em paz, sem ser mais uma vez despertado pelos pesadelos. Em agosto de 1976 o ex-presidente Juscelino Kubitscheck morreu em um acidente automobilístico na Via Dutra, pairando, ainda hoje, dúvidas sobre as verdadeiras causas, não se descartando a hipótese de sabotagem. Morreram Juscelino e o fiel motorista José Geraldo, que o conduzia de volta de São Paulo para o Rio de Janeiro. O automóvel em que viajavam colidiu com uma carreta. Ainda hoje, há muitas incertezas e suspeitas de sobra sobre planos para eliminar fisicamente um dos mais populares presidentes da República do Brasil.
Nonato Guedes