Ao ensejo dos 30 anos da instalação da Assembleia Nacional Constituinte que legou ao país a Constituição Cidadã de 1988, como a denominou o falecido deputado Ulysses Guimarães (SP), mulheres que exerceram mandatos na Câmara Federal e no Senado relembraram as conquistas alcançadas pela sociedade como um todo, em depoimentos que estão sendo divulgados na mídia sulista, em especial pelo jornal O Globo. A ex-deputada paraibana Lúcia Braga, então filiada ao PFL, não pôde ter atuação mais ativa nas Comissões e Subcomissões porque se dividiu com atenções à filha Patrícia, que fora vítima de acidente automobilístico em Alfenas, Minas Gerais. Mas nas ocasiões em que participou dos trabalhos, Lúcia adotou postura combativa, alinhando-se com grupos progressistas, inclusive com Antônio Mariz, que foi derrotado por seu marido, Wilson Braga, na eleição direta ao governo do Estado em 1982 e que derrotou Lúcia em 94. Mariz foi considerado Constituinte Nota Dez pelo Diap, o Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar.
Lúcia Braga integrou a bancada do batom, composta por deputadas altivas e firmes em suas convicções, envolvendo as reivindicações das mulheres, dos trabalhadores e dos direitos das minorias que até então eram sonegados. Desse grupo barulhento e decisivo em muitas votações faziam parte Benedita da Silva, do Estado do Rio, e Rita Camata, do Espírito Santo. O foco da bancada do batom era o Centrão, um agrupamento conservador que defendia interesses de ruralistas e de elites econômicas influentes, infiltrado em diferentes partidos. Os maiores embates que travamos foram o Centrão, sem nenhuma dúvida, recordou Lúcia em livro versando sobre sua trajetória política e pessoal.
Em Tempo de Viver, Tempo de Contar, Lúcia Braga acentua que as conquistas obtidas na Constituinte foram frutos da nossa persistência e coragem. A representação feminina era minoritária vinte e sete mulheres versus quinhentos e trinta homens. Possuíamos, no entanto, a consciência de que as nossas ideias somente prevaleceriam através de uma união suprapartidária em favor dos direitos da mulher. E foi somente através da unidade de esforços e da nossa garra e obstinação que conseguimos inserir na Constituição algumas mudanças significativas.
Lúcia defendeu a aposentadoria da mulher aos 25 anos pela sua dupla e às vezes tripla carga de trabalho mulher-mãe, dona de casa e trabalhando fora. Defendeu o direito de moradia digna para as populações de baixa renda, como obrigação dos governantes. É de sua autoria a emenda à Constituição fixando a licença gestante de 120 dias. Também propôs o planejamento familiar como livre opção do casal. Lúcia foi vice-presidente da SubComissão de Direitos e Garantias Individuais e discordou frequentemente da orientação do PFL, que insatisfeito com minha independência me deixou à parte e algumas vezes trabalhou para derrubar as minhas emendas.
As mulheres romperam grilhões até familiares para se afirmar na Constituinte, ressalta Lúcia Braga, mencionando ainda nomes de deputadas como Myriam Portella, Cristina Tavares, Abigail Feitosa, Raquel Capiberibe, Irma Passoni, Beth Azize, Lúcia Vânia, Ana Maria Rates, todas de atuação significativa e com posições de esquerda assumidas ostensivamente. A nota baixa atribuída a Lúcia pelas ausências computadas em sessões e reuniões da Assembleia Nacional Constituinte não desmereceu a firmeza de suas atitudes. Sobre a deputada pernambucana Cristina Tavares, Lúcia deu este testemunho: Foi uma mulher fulgurante. À primeira vista, uma imagem quase inexpressiva. Até o momento em que começasse a falar. Fosse pela irreverência, fosse pelo domínio da matéria que abordasse, estava-se diante de outra figura humana, totalmente diferente, concluiu Lúcia.
Nonato Guedes