O polêmico jornalista paraibano José Nêumanne Pinto, que atua em São Paulo e escreveu um livro intitulado O que sei de Lula, desconstrói a mitologia criada em torno do líder petista, ressaltando que ele foi um oportunista no movimento sindical no ABC paulista, dedurou colegas em plena greve e foi tratado a pão-de-ló na cela da polícia política, o DOPS, por ordem expressa do falecido delegado da Polícia Federal Romeu Tuma. Em 14 de abril de 1980, o TRT, cumprindo sua missão de pau-mandado do governo de plantão (era o regime militar) declarou ilegal a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, o que deu condições jurídicas para o Ministério do Trabalho intervir no sindicato e depor a diretoria, abrindo caminho para a prisão de Lula e 12 outros dirigentes, além de alguns advogados, sob a égide da ordem jurídica da exceção da ditadura, a Lei de Segurança Nacional.
Nêumanne conta que na cela da polícia política, o DOPS, símbolo da repressão policial na guerra suja, Lula foi bem tratado por ordem do diretor do serviço que antes havia sido dirigido pelo símbolo da tortura na ditadura, Sérgio Paranhos Fleury. O ex-chefe do Serviço de Informações do braço armado do Estado contra a rebelião juvenil esquerdista, Romeu Tuma, atento aos novos tempos que sinalizavam para uma abertura política, evitou que maus tratos aumentassem ainda mais a aura de martírio do líder preso. Conforme Nêumanne, o único desconforto de que ele se queixaria desse episódio tornou-se polêmico. O líder (Lula) sempre se orgulhou de seu apetite sexual e, um dia, em campanha pela presidência, em 98, confessou sua inaptidão para a abstinência, a alguns companheiros de confiança. Um deles, o ex-guerrilheiro César Benjamin, revelou em artigo para a Folha de S. Paulo ter ele dito que chegou a tentar forçar sexualmente um jovem companheiro de cela. O texto chocou e provocou polêmica. Um dos lulistas fiéis que participaram da reunião, o cineasta Sílvio Tendler, confirmou o episódio indiretamente ao acusar o autor do artigo de não saber diferenciar uma confissão de uma piada. E o episódio acabou sumindo na poeira do folclore político nacional, embora seja importante para revelar o ambiente e o clima mais relaxado daquela prisão, anos depois de muitos jovens militantes terem sido torturados, alguns até a morte, nas dependências daquele prédio sinistro.
A greve liderada por Lula no ABC paulista durou 41 dias graças a piquetes formados nas paróquias de bairros e às assembleias realizadas na matriz de São Bernardo. Diz José Nêumanne: Lula, o símbolo do operariado, de sua greve, e, depois, do primeiro partido de massas que a esquerda brasileira conseguiu criar, fortaleceu seu caráter mítico de herói, ganhou um capítulo especial na história brasileira e começou a nutrir a lenda que o levaria ao poder e à glória três decênios depois. Nove dias após o fim da greve, ele foi solto e saiu da cela para entrar na história do Brasil. Em paralelo, fortaleceu-se para criar o Partido dos Trabalhadores, em 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, e pavimentar sua trajetória política que o levou à presidência da República. Lula tinha interlocutores no próprio regime militar e chegou a exaltar, em entrevistas, supostas concessões para os trabalhadores. Nêumanne revela que sua ascensão no movimento sindical deu-se mediante manobras de bastidores para desestabilizar dirigentes de então. Para o jornalista, Lula sempre foi um carreirista, que dizia não gostar de política mas que nutria ambição pelo poder.
O livro de Nêumanne menciona atitudes pouco corretas de Lula em relação à paraibana Luiza Erundina, deputada federal, primeira mulher prefeita de São Paulo, cuja gestão foi boicotada por filiados petistas ligados a Lula e irritados porque Erundina não atendia demandas de interesse pessoal que formulavam. A orquestração para isolar Erundina agravou-se quando ela aceitou uma secretaria de Administração com status de ministério no governo Itamar Franco, que se seguiu ao impeachment de Fernando Collor de Melo em 92. O mito Lula, de acordo com o jornalista, foi cevado graças à sagacidade intuitiva de Lula, que elaborou na própria cabeça o roteiro de vítima, no papel de retirante nordestino expulso da terra natal, Pernambuco, pelas intempéries da seca e da pobreza. Ele sempre teve lábia, o que facilitou em muito a sua ascensão, descreve Nêumanne. E acrescenta: No período de exaltação nacionalista, reforçada pela bonança econômica e pelo tricampeonato mundial de futebol no México, o operário Luiz Inácio Lula da Silva foi, e nunca negou isso depois, francamente favorável ao regime militar. O general Golbery do Couto e Silva, eminência parda do regime, idealizou projetar Lula no cenário político nacional para se contrapor a velhos líderes de esquerda que voltaram ao país no bojo da anistia, como Leonel Brizola e Miguel Arraes de Alencar. O PT, paradoxalmente, teve oxigênio da repressão militar para ganhar fôlego e espaços. O deslumbramento com a chegada ao poder foi o sinal da derrocada, com o surgimento de escândalos como o mensalão.
Nonato Guedes