É triste ver Luiz Inácio Lula da Silva prestes a ser preso.
Sua biografia era uma daquelas de contos de fadas. Garoto pobre do Nordeste chega a São Paulo num pau de arara. Devido às dificuldades econômicas da família, estuda pouco, mas torna-se metalúrgico, sindicalista e líder político de esquerda. É perseguido pela ditadura e demonizado pela elite. Perde sucessivos pleitos presidenciais, até que finalmente triunfa. Sob sua gestão, o país cresce como não se via havia décadas e a desigualdade cai. A consagração vem no Brasil e no exterior.
Leitores poderão apontar pequenos exageros e omissões na narrativa, mas ela é essencialmente correta. Conta ao mesmo tempo uma história de autossuperação, que exalta virtudes do indivíduo, e de mobilidade social, que consagra o sistema democrático. O problema é que, em algum momento, Lula fraquejou.
No mínimo, ele se meteu em relacionamentos eticamente inaceitáveis com empreiteiras. Mesmo aceitando a narrativa lulista, é forçoso concluir que construtoras reformaram de graça o sítio que amigos lhe emprestavam para passar os fins de semana e remodelaram, ao gosto da família do petista, um apartamento na praia para o caso de ele desejar comprá-lo.
A Justiça, que é o foro encarregado de decidir se condutas eticamente questionáveis configuram também delitos, analisou o caso do tríplex e concluiu que Lula cometeu os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, pelos quais o condenou a 12 anos. E é difícil falar em complô quando se sabe que a situação de Lula, entre julgamentos e habeas corpus, foi analisada por todas as instâncias, incluindo o STF, onde 7 dos 11 ministros foram nomeados por petistas.
A triste verdade é que o líder que um dia encantou o país e o mundo se perdeu ao longo do caminho. Foi condenado num processo regular e agora precisa cumprir a pena. A biografia sai estragada, mas o país fica um pouco mais republicano.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.