O senador Renan Calheiros repetiu um gesto do falecido jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto ao invocar a aplicação da Lei de Proteção aos Animais para favorecer a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que cumpre pena na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba acusado da prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Durante a vigência do Estado Novo, de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, Sobral Pinto, um pensador católico e anticomunista ferrenho, assumiu a defesa de Harry Berger e do líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, que eram acusados de articularem a malograda Intentona Comunista, deflagrada em 1935 em Natal, no Rio Grande do Norte. Conhecido como Senhor Justiça, Sobral Pinto aludiu às condições desumanas e aos maus-tratos infligidos a Berger e a Prestes, numa exposição feita perante o Tribunal de Segurança Nacional.
Renan Calheiros, que de forma equivocada referiu-se ao escritor Graciliano Ramos como vítima dos excessos do Estado Novo, confundindo-o com Berger e Prestes, argumentou que o ex-presidente Lula está preso num local com instalações aparentemente adequadas, mas, na prática, restritivas, comparando a cela a que está recolhido em Curitiba a uma masmorra, incompatível com o tratamento que a seu ver deveria ser dispensado a Lula. A analogia feita por Renan Calheiros foi considerada exagerada em meios políticos e jurídicos e até como uma tentativa de chantagear, emocionalmente, autoridades judiciais e policiais. Sobral Pinto, na cruzada em defesa dos direitos humanos, na década de 30, chegou a escrever ao presidente-ditador Getúlio Vargas, denunciando que Prestes e Berger não estavam sendo tratados de forma justa. As sanções brutais e desumanas que lhe têm sido aplicadas nada têm que se pareça com uma obra de justiça. O que fizeram e estão fazendo contra eles foi e está sendo empreitada sinistra de aniquilamento físico e moral, vergastou Sobral Pinto, apelando a Vargas para que colocasse um paradeiro definitivo a esta empreitada de ódio. Invocou que o presidente-ditador respeitasse pelo menos as tradições do povo cristão.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem conseguido receber visitas de dirigentes do PT, como a presidente nacional Gleisi Hoffmann, de parlamentares petistas e de outros partidos, bem como já teve acesso ao contato com familiares e frequentemente é assistido por advogados nomeados para a sua defesa. Ganhou espaço, inclusive, para a leitura de livros, e dispõe de um aparelho de televisão para acompanhar, senão os noticiários, jogos de futebol de times como o Corinthians, pelo qual torce com fanatismo. Houve restrições da Justiça a certas visitas consideradas como de caráter puramente propagandístico, com o objetivo de vitimizar a imagem do ex-presidente da República. Os advogados de Lula estão liberados para publicizar mensagens que ele deseja vocalizar para seus seguidores, algumas com conteúdo dramático, como a de que vale a pena morrer pelo povo. Há toda uma estratégia política de bastidores não só para vitimizar Lula como para livrá-lo da condenação, facilitando, enfim, a sua elegibilidade na disputa de outubro à presidência da República. O PT se recusa, pelo menos oficialmente, a admitir um Plano B para a sucessão presidencial, insistindo em manter Lula como o candidato. Mas é jogo de cena, da mesma forma como não há similitude entre os casos de Prestes e Berger, privados de direitos elementares, e a prisão do ex-presidente Lula, que usufrui de privilégios dificilmente concedidos a mortais comuns.
Nonato Guedes