Eu estaria mentindo se dissesse que todos os dias sou cobrada por amigos e fãs para voltar a escrever crônicas. Primeiro porque nem tenho tantos amigos assim; segundo porque os supostos fãs estão velhos, cansados e talvez meio esquecidos como eu. Depois porque os anos fizeram de mim a menina prodígio mais velha de que se tem conhecimento.
O meu cotidiano, como na música de Buarque, está mais para todo dia eu só penso em poder parar, depois penso na vida pra levar e me calo com a boca de feijão. Estou há mais de 20 anos em Brasília e, pelo menos por metade deste tempo, fui levada a esquecer o sonho de uma carreira literária e arregaçar as mangas para sobreviver, fazendo o papel de reles meretriz das letras, escrevendo discursos e livros sob encomenda.
Mas confesso que não perdi uma certa justeza, aquele espírito de correção, a vontade de que as coisas sejam diferentes. Afinal, só uma força é capaz de fazer com que não nos percamos no caminho: a nossa própria convicção de honestidade.
Lógico que poderia me valer de alguns colegas e sussurrar, aqui e ali, que sei do trabalho que fazem (e farão) alguns parlamentares para melar a votação do projeto que acaba com a mordomia de carros oficiais.
O projeto é de Pedro Cunha Lima, a quem, independentemente da profunda amizade e carinho que sempre terei pelos avós dele, sugiro prestar atenção ao talento, seriedade e determinação com que atua.
Pois bem. É sempre inacreditavelmente difícil subtrair mordomias em um Brasil gigante, mastodôndico, patrimonialista e ineficaz. Mas será que é mesmo preciso explicar por que isso é necessário? Pensem nas crianças sem creche, no ensino de má qualidade, nos doentes desassistidos nos corredores dos hospitais. Desnecessário sugerir a lembrança das mazelas que nos afligem.
Para que eles não vençam e o sinal outra vez não se feche para nós (ok, admito, sinto saudade de Elis), só há um caminho e nenhum atalho: a sociedade civil precisa cobrar a votação do projeto. Mais do que isso: precisa anunciar que está atenta a essa lipoaspiração do Estado. A imprensa deve ficar de olho, acompanhar e divulgar.
É o primeiro mandamento da Ciência Política: Estado forte, sociedade civil fraca. Só quando invertermos essa lógica perversa, que suga o nosso dinheiro e ignora as nossas prioridades, para o desfrute nababesco deles, que nada mais são do que servidores escolhidos para representar e defender o povo, nós poderemos, de verdade, manter viva a esperança de que nossos filhos e netos viverão em um Brasil menos corrupto, menos desigual e mais humano.
Sim. Eu continuo acreditando que somos nós, a despeito de toda inteligência artificial, que podemos fazer a diferença. Na vida e sonho de cada um, na justiça e igualdade para todos.
* Cláudia Gondim – é jornalista, escritora e psicanalista, está com 54 anos, sobreviveu a um infarto no início do ano, a seis cirurgias de glaucoma ano passado, a incontáveis perdas e decepções, e tem pressa de fazer alguma coisa boa que justifique sua passagem na Terra.