Se as candidaturas a governador de Estado demandam muita costura e paciência para se viabilizarem, as postulações a vice-governador não são menos disputadas ou complicadas. Um caso emblemático na cena política paraibana deu-se em 94, quando o então PMDB havia pré-ungido a candidatura de Antônio Mariz ao governo, no vácuo da desistência de Humberto Lucena, que com problemas de saúde no Incor em São Paulo achou mais cômodo postular a reeleição ao Senado, saindo vitorioso. Em relação à vice, houve um confronto interno no PMDB entre bancadas federal e estadual, na verdade um eufemismo de queda-de-braço entre grupos partidários. Os Cunha Lima, através de Ronaldo, que deixara o governo para concorrer ao Senado, pugnavam pela escolha do deputado estadual Carlos Dunga para vice de Mariz. O PMDB ortodoxo, ligado a Humberto, defendia o nome do deputado federal José Maranhão, que na época enfrentava dificuldades para se reeleger, mas tinha um histórico dentro da legenda, tendo sido, inclusive, cassado por integrar a Frente Parlamentar Nacionalista em plena ditadura militar. Ronaldo também fora cassado como prefeito de Campina Grande, em 68, mas ele patrocinava a indicação de Dunga, que, como Mariz, era oriundo da antiga Arena, depois PDS.
O martelo foi batido num domingo, num almoço na mansão do senador Humberto Lucena, então presidente do Senado, no Lago Sul, em Brasília, presentes praticamente todas as lideranças representativas do PMDB paraibano. As atenções, obviamente, voltavam-se para Mariz, até então fazendo voto de silêncio sobre preferências para a indicação do vice. Coube a este repórter, juntamente com os jornalistas Paulo Santos (assessor de Humberto) e Walter Santos (futuro secretário de Comunicação de Mariz) provocar o tira-teima ou a prova dos noves, indagando de bate-pronto a Mariz quem seria o seu vice. Veja bem, Nonato começou Mariz eu não tenho nada contra Carlos Dunga, que é um companheiro leal e correto. Mas Dunga foi da Arena, como eu fui. Os adversários iriam explorar a arenização da chapa, o que não seria bom. Maranhão não tem esse problema. Ele, inclusive, foi cassado pelo regime militar pelas suas posições nacionalistas e militou no MDB quando do regime militar. De modo que a opção natural seria por Maranhão, levando em conta as nuances do processo, ponderou Mariz, em tom enfático.
Jornais da Paraíba, à época, só voltavam a circular na semana na terça-feira, de modo que, como a revelação de Mariz se deu no domingo, não havia risco de ninguém furar ninguém, ou seja, de qualquer jornalista divulgar em primeira mão a preferência do candidato peemedebista ao governador. À distância, na residência de Humberto, os políticos do PMDB tentavam decifrar sinais de Mariz para ter certeza de quem ele gostaria de ungir como companheiro de chapa. Ao cair da noite, despedi-me dos presentes e tomei um táxi para o hotel em que me achava hospedado. Sem que eu soubesse ou suspeitasse, Carlos Dunga seguiu-me até o hotel e me abordou no elevador, pedindo para ter uma conversa rápida comigo no restaurante do hotel. Ele foi direto ao assunto.
– Vi você conversando com Mariz e sei que ele lhe adiantou informação sobre quem será o vice. Preciso saber se tenho chance porque, do contrário, vou me mobilizar para segurar redutos a deputado federal- alegou-me Dunga.
– Nesse caso, não tenho razão para segurar a notícia. Mariz disse que lhe admira, pela lealdade de posições e correção de atitudes, mas teme um desgaste porque ambos foram da Arena, enquanto Maranhão foi cassado pelo regime militar. A preferência dele, então, é por Maranhão para vice ponderei-lhe.
– Eu já imaginava. Muito obrigado pela notícia, o que para mim vale ouro. Vou para o hotel onde me encontro e irei disparar ligações para a Paraíba, informando às minhas bases que serei candidato a deputado federal. Mais uma vez, Nonato, muito obrigado pela informação valiosa afirmou Dunga, sem ressentimentos.
O desfecho da história é conhecido. José Maranhão foi ungido vice de Antônio Mariz, sob protestos velados dos Cunha Lima. Ronaldo e Humberto elegeram-se ao Senado, Mariz e Maranhão a governador e a vice, derrotando a chapa encabeçada pela deputada federal Lúcia Braga. E Carlos Dunga colheu os frutos da costura antecipada e elegeu-se deputado federal pela Paraíba. Só que daí em diante os embates seriam uma constante no PMDB, até a saída do grupo Cunha Lima, após a morte do senador Humberto Lucena, mantido, tanto quanto possível, poupado de informações sobre os incidentes internos.
Nonato Guedes