A Paraíba se deu conta, nas últimas horas, de que perdeu um político exemplar raridade nestes tempos de escândalos, que buscava revestir seu mandato de um certo viés de sacerdócio, dentro da compreensão de que, fazendo o bem aos outros, fazia o bem a si, apascentava a sua consciência em meio aos desafios do mundo contemporâneo. Estamos nos referindo, é claro, ao ex-deputado federal Rômulo Gouveia, cujo sepultamento em Campina Grande atraiu lideranças nacionais de projeção e cuja morte, em si, foi pranteada por depoimentos que convergiram entre gregos e troianos, entre expoentes de diferentes extrações partidárias, do governador Ricardo Coutinho ao ministro das Comunicações, Gilberto Kassab.
Na definição do historiador Sérgio Buarque de Holanda, a formação do Brasil, desde a Colônia, é permeada pela presença do homem cordial, aquele tipo invulgar de cidadão que age, que toma decisões, que pauta sua existência pela emoção, pelo coração. Rômulo Gouveia era protótipo desse tipo peculiar. Realizava-se plenamente procurando fazer da vida pública um instrumento da prática do benefício à coletividade, sem diferenciar classes sociais, mas com sensibilidade mais aguçada focada em torno dos mais carentes, dos excluídos, dos deserdados de uma ordem social e econômica injusta, desigual, como sói acontecer no mapa que distancia a Paraíba da Amazônia ou São Paulo do Piauí. Remanescente de origens humildes, era natural que o parlamentar se identificasse com essas camadas que normalmente servem para engordar estatísticas alarmantes associadas à criminalidade urbana, ao desemprego, à falta de escolaridade.
Rômulo prodigalizou exemplos da atuação pelo bem coletivo em seu desideratum como vereador na Rainha da Borborema, como deputado estadual, alçado à presidência da Assembleia Legislativa, como vice-governador do Estado, ultimamente como deputado federal, integrante da Mesa Diretora da Câmara. Tomava para si as dores alheias, como se estivesse cumprindo uma missão. Era de uma sensibilidade à toda prova, promovendo as intervenções que julgava indispensáveis para contribuir com o desenvolvimento da Paraíba, das comunidades mais castigadas pelo atraso. Abstraía pendores ideológicos em nome dessas necessidades mais ingentes ou urgentes, que a seu ver não esperavam por rituais burocráticos que mais atrapalham do que facilitam a governança neste país. Militara em Sociedades de Amigos de Bairros em Campina Grande e nelas adquiriu conhecimento e vivência sobre um microscópio da realidade social do nosso povo, da existência latente dos bolsões de pobreza e miséria a desafiar a incúria de governantes de plantão ou de lideranças políticas em geral.
Foram inúmeros os depoimentos de pessoas que, de uma forma de outra, foram agraciadas com gestos de gentileza, de solidariedade, da parte do deputado Rômulo Gouveia em paralelo com depoimentos que realçaram características como lhaneza, correção, retidão. No que me toca, fui acolhido por Rômulo com demonstrações desse seu jeito tão caloroso de ser, dessa preocupação acendradamente humanística que era parte inseparável da sua personalidade. Conheci-o vereador em Campina Grande, quando fui homenageado pelo legislativo daquela cidade, à época em que era superintendente de A UNIÃO. Estreitamos laços e relações de amizade quando Rômulo tornou-se deputado estadual, com o gabinete de presidente sempre aberto para jornalistas e pessoas do povo, sem nenhum rasgo de empáfia, muito menos de discriminação.
Certa feita fui a Brasília para um evento político-partidário, em companhia do mano Lenilson Guedes e de outros profissionais da imprensa da Paraíba. Fomos avisados, num final de semana, que éramos convidados do deputado Rômulo Gouveia para uma confraternização em seu apartamento na Capital federal, presentes outras figuras da Paraíba como o conselheiro Luiz Nunes, do Tribunal de Contas do Estado. Na época, eu escrevia coluna política para O Norte e apresentava programa de entrevistas e debates na rádio CBN, então vinculada ao Sistema Correio de Comunicação. Deu-se que na tarde de domingo brasiliense passei mal, o organismo acusando indisposições que poderiam se agravar não houvesse alguma mediação médica. Minha passagem de volta a João Pessoa já estava marcada para a noite e eu trazia entrevistas exclusivas gravadas com políticos como o próprio Rômulo. Inteirado do mal-estar que me acometia, não contou conversa. Debaixo de meus protestos, sob alegação de não ser nada grave, conduziu-me ao serviço médico do Senado, em pleno domingo ele de bermuda, já que estava à vontade no apartamento com amigos. Ponderei-lhe que não podia perder o voo e, consequentemente, o programa na CBN. Ele, de forma educada mas firme, preveniu-me que só sairia do hospital quando tivesse alta da equipe médica. Falei-lhe da minha preocupação com Bernadeth, minha mulher, que se encontrava em João Pessoa. Ele, de pronto, pediu a Lenilson que fizesse o contato com Bernadeth, com quem falou dando notícias do que estava se passando, mas transmitindo uma mensagem otimista.
A minha impaciência forçou a liberação médica, a tempo de materializar-se a minha viagem de volta a João Pessoa. Rômulo, porém, fez questão de me acompanhar até a entrada no avião, com recomendações constantes de atenção para comigo. Felizmente, cheguei são e salvo em João Pessoa. Ele não arredou pé do telefone, em busca de informações, do contato direto com o amigo jornalista que embarcara em Brasília. Raras vezes vi tanto desprendimento, tanta dedicação, da parte de um político com mil compromissos na agenda e na cabeça para com um jornalista que tivera, na verdade, como se chama, um piripaque, coisa de somenos importância, de nenhuma gravidade. Rômulo era assim. E esta é a lembrança mais forte, mais pungente, que me ocorre ao rever as imagens que a televisão e as redes sociais mostraram da comoção popular com a sua morte. Ficamos mais pobres com sua ausência, nós que temos sofrido tantos golpes neste País de incertezas e frustrações.
Nonato Guedes