Os protestos que eclodiram em redes sociais, em João Pessoa, contra a continuidade da denominação de ruas, avenidas ou conjuntos habitacionais com referências a generais que tutelaram a ditadura instaurada em 68 e concluída em 1985 no Brasil, são extensivos a outras Capitais e localidades brasileiras onde os ditadores ainda monopolizam homenagens. Em João Pessoa, esboçou-se uma pressão sobre a Câmara Municipal para revogar a denominação do conjunto habitacional Ernesto Geisel, depois da divulgação de documentos na mídia atestando que Geisel ordenou execuções sumárias de prisioneiros políticos que contestavam o sistema autoritário, pelo que se depreende de comunicados da CIA, a agência de espionagem e inteligência política do governo dos Estados Unidos.
Outros militares, figuras proeminentes da ditadura, tornaram-se símbolos de denominação de logradouros na Paraíba como Castelo Branco, o primeiro do ciclo militar, Costa e Silva, em cujo mandato deu-se o golpe dentro do golpe, com a assinatura do famigerado Ato Institucional Número Cinco e o fechamento do Congresso Nacional e João Batista Figueiredo, reverenciado com a denominação de um conjunto populoso com o nome de sua mãe, Valentina Figueiredo, que nunca pisou em solo paraibano. Há o caso mais recente de denominação de um viaduto que dá acesso à Estação Rodoviária de João Pessoa com o nome do general paraibano Aurélio de Lyra Tavares, que foi integrante, como ministro do Exército, da Junta Militar investida arbitrariamente por ocasião da doença do presidente Costa e Silva, da qual faziam parte, ainda, os ministros da Aeronáutica, Márcio Mello e Souza e da Marinha, Augusto Rademaker. O presidente nacional do então MDB, Ulysses Guimarães, ironizou o núcleo militar como a Junta dos Três Patetas. Aurélio de Lyra Tavares foi alvo, também, de chacota, depois que se descobriu que em meio ao exercício de atos configurados como duros, como membro da Junta Militar, cometia poemas com o pseudônimo de Adelita, publicados esporadicamente em alguns órgãos de imprensa tidos como simpáticos aos militares. Adelita reunia as iniciais do nome do ministro paraibano Aurélio de Lyra Tavares, e apenas intelectuais versados no ramo e nas publicações tinham conhecimento do sortilégio usado pelo ministro. Um outro general paraibano, que comandou a Casa Militar da Presidência da República, foi Jayme Portela, mencionado como referência de um dos logradouros em João Pessoa.
No livro intitulado Os Vencedores A volta por cima da geração esmagada pela ditadura de 1964, Ayrton Centeno diz que a apregoada revolução de 64 logrou naturalizar-se sob a forma de inumeráveis ruas. E de avenidas, praças, viadutos, portos e até municípios. Castelo Branco ressuscitou como cidade em Santa Catarina, Médici em Rondônia e Figueiredo no Amazonas. Quem nasce no primeiro é, para o resto da vida,castelinense, no segundo medicense e no último figueirense. Costa e Silva e Geisel não escaparam das adulações. O primeiro batiza avenidas em capitais como Salvador, Vitória, Manaus, Campo Grande e Porto Alegre. O segundo tornou-se inspiração para o mesmo fim em São Luís, Campo Grande e João Pessoa. No Rio, a avenida Castelo Branco leva ao Maracanã, em Porto Alegre é porta de entrada da capital. Houve tentativas, como reconhece o autor do livro, de revogar as denominações. Mas, além de ruas, praças, avenidas e conjuntos habitacionais, o Brasil ficou coalhado de escolas com denominações de Castelo Branco, Costa e Silva e Médici, além de Geisel e Figueiredo. Uma pesquisa no Google, de acordo com Ayrton Centeno, indicou 65,8 mil resultados apenas para o termo escola presidente Castelo Branco, quatro vezes o que aponta para escola presidente João Goulart. Havia até mesmo uma universidade Castelo Branco no bairro carioca do Realengo.
– No Brasil relatou Ayrton Centeno a sabujice cismou que batizar escolas, ruas, praças, viadutos, avenidas e outras criações humanas seria insuficiente para se alçar à altura da gesta dos generais e invadiu a natureza: o segundo pico mais alto do Brasil, com 2.972 metros, no Amazonas, passou a chamar-se 31 de Março. Mais jocoso foi o tributo prestado à efeméride pelo empresário Joaquim Rodrigues Fagundes. Fã do delegado Sérgio Paranhos Fleury, notório torturador de presos políticos nos DOI-Codi em São Paulo, rebatizou seu sítio em Parelheiros, zona sul de São Paulo, como 31 de Março. Nele foram martirizados até a morte o líder estudantil e dirigente do Molipo, AntonioBenetazzo, mais Antônio Bicalho Lana e sua companheira Sônia Moraes, ambos da ALN.0 31 de Março de Fagundes compunha a constelação de antros clandestinos de tortura, assassinato e subtração de pessoas nos anos 1970. Nem sempre é fácil para vereadores de legislaturas atuais extirparem os nomes de militares assassinos ou torturadores de logradouros públicos. Mas mesmo em João Pessoa, alguns desses nomes chegaram a ser retirados e substituídos por pressão popular. Não se trata de apagar o passado, mas de não idolatrar figuras controversas da nossa história, opina o presidente da Câmara de João Pessoa, Marcos Vinícius, do PSDB.
Nonato Guedes