Considero-me remanescente da geração Alberto Dines do jornalismo brasileiro sem tê-lo conhecido pessoalmente ou sem sequer ter tido a oportunidade de dizer que trabalhei com ele em algum momento das nossas trajetórias. É o de menos. Senti-me representado por jornalistas como o paraibano Severino Ramos, que trabalhou com Dines quando integrava os quadros do Jornal do Brasil, em passagem fugaz pelo Rio e, de forma intensa, em João Pessoa, como correspondente do órgão da condessa Pereira Carneiro, que foi ressuscitado sem o mesmo glamour de outras épocas. Ou por Erialdo Pereira, meu ex-editor na TV Cabo Branco (já falecido), que atuou na rádio JB no Rio de Janeiro até optar por fixar-se em João Pessoa.
Ramos e Erialdo foram expoentes de gerações de ouro da imprensa brasileira. No Sul, Dines era um dos expoentes dessas gerações, ao lado de Cláudio Abramo, ElioGaspari, Marcos Sá Corrêa, da turma do Pasquim, dos semanários de resistência à ditadura militar, chamados eufemisticamente de alternativos dentro da estratégia oficialesca de evitar qualquer laivo de confronto na sociedade brasileira, como se a força das baionetas tivesse o condão de eliminar o conflito, ou o contraditório este, máxime da democracia, pontuada pela liberdade de expressão, legada pelos gregos, cultuada como dogma pelos franceses e golpeada em países como o Brasil onde medraram gerações idealistas. Há quem pense, equivocadamente, que certos jornalistas com atuação combativa, de resistência ao regime militar instaurado em 1964, sonhavam ter o poder como há quem pense isto de estudantes e ativistas de movimentos sociais. Na Paraíba, mesmo, anos depois do golpe, quando pôde fazer uma digressão mais serena dos acontecimentos, o jornalista Adalberto Barreto, que presidiu a API, confessou: Nós tínhamos a sensação de que tínhamos o poder nas mãos.
Não se tratava, para esses idealistas, ocupar cargos de mando ou posições de destaque em governos democráticos, mas, sim, de contribuir, como jornalistas-cidadãos, para que a democracia fosse restabelecida após o golpe e, uma vez restaurada, fosse mantida, sem riscos de ameaças intermitentes, por ser alma gêmea da liberdade de expressão inerente a um jornalismo que vai perdendo espaço em virtude da invasão tecnológica, dos processos de fragmentação de redes sociais, em que pessoas tentam substituir comunicadores especializados no ofício ingente de transmitir fatos, de repassar informações, de modo a que a sociedade gire nos seus calcanhares e possa extrair a visão crítica diante do que lhe é transmitido. Dines foi um libertário sem ser prosélito. Não aspirava a nenhuma honraria, não buscava nenhum laurel. Era fiel às suas convicções, aos seus princípios, fundados no direito inalienável das pessoas à liberdade ou ao direito de expressão.
Suas crônicas, seus ensaios, seus artigos, seus livros, estão aí para traduzir o homem que Dines foi, a dignidade que ele simbolizou nas denúncias das violações de direitos humanos ou dos excessos dos paus-mandados da ordem baseada no arbítrio, no autoritarismo, na negação da face humana da sociedade, porque refletida em torturas nos porões e nas celas dos Doi-Codi, em desaparecimentos que sinalizavam mortes não oficializadas, em atropelamentos tidos como acidentais, na verdade criminosos, destinados a espalhar o terror, a liquidar pessoas que divergissem, uma vírgula sequer, da longa noite das trevas. Dines não teve o destino de Vladimir Herzog e de tantos outros jornalistas que chegaram a ser torturados e assassinados nos porões da ditadura militar. Mas Dines foi violentamente censurado, intimidado, perseguido, inquinado a passar por uma experiência de paranoia por ter decidido resistir internamente, enquanto levas de brasileiros buscavam o exílio porque já não tinham mais garantias de aqui sobreviver.
Convivi com jornalistas como Carlos Chagas, Hélio Doyle, Moacir Japiassu, Geneton Moraes Neto, Francisco José, Luiz Fernando Emediato, Carlos Garcia (meu chefe na sucursal de O Estado de S. Paulo no Recife). Trouxe, como vice-presidente e presidente da API, nomes de expressão para debater jornalismo e poder com profissionais paraibanos numa época não tão remota em que havia jornais à mancheia na Paraíba. Hoje, não os há, nessa quantidade. Temos jornalismo, todavia, reproduzido em sites, em blogs, em portais, em emissoras de rádio e televisão, como a lembrar que persiste vida inteligente na sociedade, que sobrevivem ou resistem jornalistas conscientes e dispostos a lutar como guerrilheiros pelo sagrado direito da sociedade à informação. Ponho-me nesse rol e é por isto que dedico a Alberto Dines, que recém-faleceu, as minhas homenagens sinceras, o meu tributo de reconhecimento, o meu agradecimento por tudo o que nos ensinou, em prol de um Brasil melhor. Dines fica pelo exemplo, como tantos outros ficaram!
Nonato Guedes