Errou feio quem tentou pespegar no presidente Michel Temer essa definição sobre a metamorfose que o poder produz nos homens, nas mulheres, na espécie humana enfim. Certamente, Temer já esteve acometido ene vezes dessa mudança no metabolismo. Mas, no caso em tela, a definição aplicava-se a Luiz Inácio Lula da Silva já nos primeiros meses do primeiro governo que empalmou, em 2003 e foi cunhada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa. Foi como uma ducha fria para Lula e os petistas, como observa Marco Antonio Villa no livro Década perdida Dez anos de PT no poder, a que recorri para ensaio jornalístico que me foi encomendado, com pretensões de exegese sobre o poder.
As declarações de Corrêa foram proferidas no mês de agosto, que a tradição política brasileira estigmatizou por sua identidade com graves crises, a exemplo do suicídio de Getúlio Vargas em 1954 e da renúncia de Jânio Quadros em 1961, depois de um porre homérico, segundo dizem alguns ainda hoje. Pois, naquele fatídico mês em 2003, o presidente do Supremo inquinava Lula de ter abandonado ideias que defendera durante décadas. Vivia viajando e deixara o governo nas mãos de Antonio Palocci e José Dirceu. O presidente não é a mesma pessoa que se apresentou na campanha. Está deslumbrando com o poder, que é algo contagiante. Ele tem uma origem humilde. É um operário que chegou ao poder. Isso é lindo, mas alguém que tem helicóptero e jato à disposição, que desce onde quiser, que tem aquela criadagem toda, até aquelas mulheres bonitas que vão lá visitá-lo, pode mudar de comportamento. Isto tudo encanta, diagnosticava Maurício Corrêa.
No começo do governo de Lula, era ameno e tranquilo o cotidiano à sombra do poder, na Granja do Torto. Iniciara-se a construção de um aviário para emas e patos e não faltaram recursos para um ginásio de esportes com sala de fisioterapia. A Granja do Torto receberia também nova iluminação e novas churrasqueiras. Uma polpuda verba, como narra Villa, fora reservada para o enxoval do presidente: dezenas de lençóis, quarenta jogos americanos coloridos, toalhas, colchões, taças de cristal e até roupões de algodão de…fio egípcio. A justificativa era a de que o antecessor sucateara toda a estrutura das residências palacianas. Resultou em celeuma, por esse tempo, a compra pelo governo Lula de duas mil latinhas de cerveja, 610 garrafas de vinho e 150 jogos de cristais, lapidados à mão e de primeira qualidade para a Presidência.
Houve, também, a aquisição de seiscentos quilos de bombom Sonho de Valsa, dois mil vidrosde pimenta envelhecidas em barril de carvalho, sete mil pacotes de biscoitos recheados e seis mil barras de chocolate ao leite crocante. O pacote de compras acabou sendo suspenso momentaneamente para ajustes, eufemismo comum no glossário dos governos e na boca de governantes e tudo por causa do escândalo produzido pela divulgação do edital. Por esse período, Benedita da Silva, ministra do governo, seria acusada de ter ido à Argentina para uma atividade de fim religioso e não governamental, às custas do erário, que bancou a viagem dela e de uma assessora, bafejada com o recebimento de diárias e uma certa quantia para despesas. Benedita era reincidente- em maio, viajara a Portugal nas mesmas condições, ou seja, com objetivos religiosos acima dos governamentais. Era quase uma fundamentalista em um país de Estado laico, anotou Villa, com supimpa e inevitável ironia. Benedita era uma ministra cuja milhagem saía pelo ladrão. Era quem mais tinha viajado. Depois de longa agonia e da encenação de devolução dos recursos, acabaria demitida em 21 de janeiro de 2004.
O que quero dizer com isso? Nada. Apenas lembrar que eram assim os governos do Partido dos Trabalhadores, tanto os de Luiz Inácio Lula da Silva como os de Dilma Rousseff. Não era só o deslumbramento com o poder. Era a compulsão de se locupletar do erário, copiando modelo cultivado por antecessores, inclusive, por chefes e ministros militares que se esbaldaram em mordomias na longa noite das trevas para os inimigos do regime. Poder, A Alegria dos Homens, denominou Marcos Odilon num livro a respeito dessa instituição. De Figueiredo a José Sarney, de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, de Dilma Rousseff a Michel Temer,o pudê faz a alegria de algumas criaturas, enquanto a maioria esmagadora não é, nunca foi, jamais será convidada para participar do banquete. Fica com as migalhas…e a conta para pagar. É nesse ritmo que o Brasil perde décadas e décadas, vivenciadas pelo suor dos trabalhadores que vão ralar todo dia, com mil e uma dificuldades, para sustentar a elite demagoga do talpudê!
Nonato Guedes