Quando se agitava nos meios jornalísticos da terra a cogitação recorrente de criar-se a Associação Paraibana de Imprensa, afinal cristalizada em sete de setembro de 1933, Aderbal Piragibe dava fogo, em sueltos, à articulação em curso, alertando que já havia uma vibrante geração de plumitivos, infelizmente estagnada no periodismo local. Se a ideia triunfar ponderava Aderbal Pigaribe deitemos no zumbi do esquecimento as roupas velhas das paixões pequeninas. Ao invés de Dartagnans facciosos, sejamos cavalheiros leais, na conquista do lugar que merecemos no seio da sociedade e nos destinos da nossa terra, apregoava Piragibe.
Reporto-me à API por causa de uma conversa da jornalista e professora Sandra Moura, candidata a presidente da entidade, com o crítico de artes e cultura e editor de rádio, jornal e televisão Sílvio Osias, uma das cabeças mais lúcidas e antenadas do segmento intelectual-jornalístico, sob cujas ordens e orientação atuei quando compunha o quadro da TV Cabo Branco, afiliada da Globo na Paraíba. Da conversa provocada por Sandra, resultou uma manifestação límpida de Sílvio sobre ideias que ajudem a retirar o mofo em que a instituição foi mergulhada. Sílvio não deixou de falar sobre decepções acumuladas em certos períodos, mas foi honesto no reconhecimento de contribuições impregnadas na histórica entidade da Visconde de Pelotas.
Fui eleito presidente da API, na década de 80, cumprindo um mandato, depois de ter sido vice-presidente na gestão de Severino Ramos, que, aliás, em agosto, completa 80 anos. Com Ramos, tive a liberdade de coordenar um Seminário sobre Política e Jornalismo nos idos de 1982, com auditório lotado, intervenções acesas e um painel de expositores do melhor nível: Carlos Chagas, Hélio Doyle, Tarcisio Holanda, Gerardo Melo Mourão, Moacir Japiassu e uma noite dedicada à prata de casa, sob a coordenação do historiador José Octávio de Arruda Melo. Para surpresa de muitos, a noite de debates sobre a conjuntura paraibana foi uma das mais movimentadas em termos de discussão, não estivessem em jogo, no inconsciente coletivo, paixões pelas candidaturas de Antonio Mariz, Derly Pereira e Wilson Braga, vitorioso este, por uma diferença de 151 mil votos.
Na gestão de Carlos Aranha, cujo slogan era A ideia é outra e possibilitou o ingresso de profissionais oriundos do Curso de Comunicação, com espaços iguais e legítimos, a API sediou Comitê com várias entidades pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, o que acabou se produzindo em 1989. Na minha gestão, o então governador do Paraná, José Richa, abriu Seminário sobre a Constituinte, tendo como mediador o então senador paraibano Marcondes Gadelha, que com ele fizera parte do MDB autêntico na ditadura militar. Jornalistas como Ricardo Noblat, Boris Casoy, Francisco José, marcaram passagens em períodos distintos da história recente da Associação Paraibana de Imprensa, transmitindo lições, ensinamentos preciosos para gerações ávidas de intercâmbio. Profissionais como Agnaldo Almeida, Walter Santos, Gonzaga Rodrigues, Antonio Costa, José Euflávio, Fernando Moura, Rubens Nóbrega, Jório Machado, Paulo Santos, foram de importância valiosa nos rumos dinâmicos e alternados seguidos pela Associação Paraibana de Imprensa, cuja história retalhada foi narrada por Fátima Araújo em livro que ainda hoje é consulta obrigatória.
Um episódio que me marcou profundamente e levou-me às lágrimas foi poder ter reparado uma injustiça cometida dentro da API contra o jornalista Adalberto Barreto, que presidiu a entidade em meio à agitação que redundou na eclosão do golpe militar de 64 e foi impiedosamente destituído da direção da entidade por grupos de direita, sendo obrigado a cumprir um massacrante itinerário de fuga para escapar da prisão, ainda assim tendo sido inquinado e arrolado em inquéritos policiais militares, que constituíam um instrumento a mais da repressão da linha-dura e da violação dos direitos humanos e da democracia. Eis que, na minha gestão, fui visitado por Adalberto. Pedia-me que lhe cedesse um documento atestando que fora presidente da API e que dela fora destituído. Esse documento era condição sine-qua-non para Adalberto voltar à normalidade, ele que se embrenhara mata adentro, a partir de Catolé do Rocha, tentando despistar os algozes a serviço da longa noite das trevas. Foi um gesto que, como disse, tocou profundamente Adalberto, um dos mais completos profissionais que tive o privilégio de conhecer. Para mim, protagonizar essa atitude de grandeza já compensava minha passagem pela presidência da API. É evidente que fiz algumas coisas, dentro das limitações de recursos e do próprio tempo de duração do mandato, já que optei por não disputar a reeleição.
O que eu quero dizer é que a API é feita, também, de gestos simbólicos e é assim que ela cresce no universo dos sócios e da sociedade. Todo dia, há novos desafios paralelos. A API tem cacife para fazer e voltar a fases épicas em que no dizer de Adalberto, em depoimento para o livro O Jogo da Verdade, chegou a ter a sensação de estar no poder com João Goulart até descobrir que não havia dispositivo militar de Assis Brasil e que o general Mourão, a vaca fardada, já estava a léguas de Minas, disparando tiros a esmo.
Por Nonato Guedes