Com a contagem regressiva para a abertura da Copa do Mundo de 2018, a ser disputada na Rússia, a mídia repõe em evidência a figura de Nelson Rodrigues, cronista passional e polêmico, inventor de apelidos e chavões que caíram na boca do povo, um dos mais censurados dramaturgos da história do teatro e do entretenimento no Brasil. Seu maior biógrafo, Ruy Castro, dedicou-lhe um livro denominado Anjo Pornográfico, narrando toda a trajetória do pernambucano de Recife, nascido em 1912 e falecido no Rio de Janeiro em 1980. Enquanto isso, a Companhia das Letras editou a obra completa de Nelson Rodrigues, que abordava temas ligados aos costumes do povo e era respeitado em círculos intelectuais de esquerda, a quem atacava nos seus escritos publicados em jornais.
Nelson angustiava-se com o que intitulou complexo de inferioridade do torcedor brasileiro, que censurava partidas da Seleção mesmo quando ela jogava bem e conseguia vitórias nos campos do país e do exterior. Tido como conservador e falso moralista, Nelson Rodrigues, na definição de Ruy Castro, entendia que a verdade no futebol estava além do que os olhos podiam ver. Se o videoteipe não mostrava a verdade dos fatos, pior para os fatos, ou o videoteipe era burro. Sua capacidade de criar personagens não se limitava ao teatro criava-os também nos campos de futebol, dando-lhes apelidos que acabavam por recriá-los: Didi era o príncipe etíope de rancho, Amarildo era o Possesso e Denilson o Rei Zulu. Nem a interferência do Sobrenatural de Almeida, outra invenção de Nelson Rodrigues, fazia com que eles jogassem menos do que nas suas geniais crônicas. Para além do futebol, Nelson imortalizou o padre de passeata, a grã-fina do nariz de cadáver, a estagiária burra de redação e a esquerda festiva, referência a intelectuais que discursavam em mesa de bar contra o regime militar. Uma das obsessões de Nelson, em sua metralhadora giratória, era o falecido arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara, inapelavelmente satirizado por Rodrigues nas crônicas. Dom Helder só olha para o céu para saber se vai chover, dizia o implacável Nelson Rodrigues, autor de outros bordões celebrizados como este: sem alma, não se chupa nem um Chica-bon e nem se joga uma Copa do Mundo.
No dizer de Hans Henningsen, o marinheiro sueco, o mundo da bola era uma espécie de cenário mágico para Nelson Rodrigues. O grande escritor costumava dizer que daria mais de 10 mil anos para que respondessem às suas frases, mas, na verdade, não estava tão interessado na bola e, sim, no homem que a chutava. À sombra da Pátria em Chuteiras, Nelson contava como o Brasil saíra da mais cava depressão, provocada pela derrota na Copa de 1950 e partiu para o milagre da conquista de três Copas, feito que ele saúda patrioticamente. Para Nelson, havia júbilo inconteste na doce e santa vitória, que era a saúde do povo brasileiro. Alimento, proteínas e carboidratos de um povo. A Pátria em Chuteiras, coletânea de crônicas de Nelson sobre o futebol, estende-se até 1978, quando dois fantasmas do passado voltaram a paralisar o nosso futebol: a atitude servil diante do europeu e o medo.O Brasil, para revolta de Nelson Rodrigues, tornava-se a sentir-se um vira-lata.
Algumas das pérolas de Nelson Rodriguesque ainda hoje são repetidas de bar em bar: Toda unanimidade é burra; A nossa língua tem sido uma boa desculpa para os que a assassinam; A morte de um amor é pior do que a morte pessoal e física;A grande, a perfeita solidão, exige a companhia ideal; A imparcialidade só merece a nossa gargalhada; Só existem duas coisas realmente infinitas: o universo e a estupidez humana; A televisão matou a janela.
Por Nonato Guedes