Esse artigo do ex-ministro Maílson da Nóbrega pregando tribunais de contas mais modernos, profissionalizados e menos políticos, trouxe-me à lembrança episódio que vivenciei quando superintendente de A União, jornal oficial, que lida, também, com um parque gráfico invejável. Eu fora convidado para dirigir a empresa pelo governador Ronaldo Cunha Lima, empossado em 91. Tive que largar a TV Cabo Branco e o Correio da Paraíba por opção minha, por achar que o papel de comentarista político, por exemplo, era incompatível com o de auxiliar de um governador do Estado, por razões e limitações óbvias para o exercício do mister.
Ponderei a Ronaldo que eu não tinha a mínima experiência administrativa ou executiva e era candidato natural a um rotundo fiasco na condução dos negócios de A União. O poeta dissuadiu-me prometendo: Dou-lhe 30 técnicos para lhe assessorar nas questões complicadas. Ganhei um diretor-administrativo insuperável, Severino Amorim, com passagens pelo Paraiban, que só vim a conhecer quando apresentado por um amigo comum. Aprontamos muitas & boas, em A União, no bom sentido, é claro, lançando mão da criatividade para contornar desafios que à primeira vista pareciam impossíveis, até serem feitos, parodiando o ministro José Américo de Almeida. Na saída, deixamos um saldo real, não de fantasia, que faria a festa de qualquer sucessor.
Ocorre que havia uma peculiaridade que, na Paraíba, só se dava em A União: a empresa tinha dinheiro em caixa, mas não podia gastá-lo, por exemplo, para pagar pessoal, tendo que recorrer, nesse ponto, ao governo do Estado. Era uma situação desconfortável que levei de pronto ao conhecimento de Ronaldo e do vice, Cícero Lucena, figura também decisiva no êxito da passagem por A União. Sinalizei que iria recorrer ao Tribunal de Contas do Estado, na época dirigido pelo conselheiro Luiz Nunes, expondo o dilema financeiro da empresa e pedindo uma definição sobre o sexo jurídico de A União. Legalmente, a empresa tinha fontes próprias de receita, derivadas de publicações no Diário Oficial e de pagamentos resultantes de contratos para impressão de livros, folders, material publicitário, etc, na Gráfica do Distrito Industrial, onde ficava a sede e para onde levei a redação, que ficava no Centro. Mas, embora tendo receita própria e, até certo ponto, farta, A União não podia lançar mão de seus recursos para pagar pessoal ou para reajustar servidores ou prestadores de serviços. Este era o meu dilema e, por via de consequência, minha frustração.
Ronaldo, em tom de galhofa, buscava descontrair-me quando me via tenso e impotente diante do impasse: Mas, Nonato, A União tem sexo, sim. E, para gáudio nosso, é feminino, provocava o governador-poeta. Não me contentei enquanto não tivesse em mãos um parecer qualquer, do Tribunal de Contas ou de qualquer órgão abalizado para tanto. Luiz Nunes e seus conselheiros indicaram-me, providencialmente, o caminho. A União continuaria impedida de admitir funcionários, mas poderia contratar pessoal para trabalhos especializados por período determinado, prorrogável em caso de necessidade. Os contratos eram firmados com o aval pleno do Tribunal de Contas e o crivo das Pastas financeira e de pessoal do Estado. Foi assim que tivemos folga para arrebanhar figuras do mais alto nível intelectual, produzindo trabalhos de qualidade primorosa, irretocável, que ganharam repercussão nacional.
O assunto provocado por Maílson da Nóbrega, embora de coloração específica, já que se atém à mecânica de funcionamento dos Tribunais de Contas, serviu-me como pretexto para dar esse depoimento que envolveu A União e o TC da Paraíba. E já que estamos falando de Maílson: seu irmão, Milton, apelidado de Hans Donner da Paraíba, um dos melhores talentos da criação paraibana, que faleceu precocemente, havia promovido uma série de capas para publicações encomendadas por mim. Trabalhos entregues com pontualidade mas nada de Milton cobrar pagamento nem fazer cara feia. Até que um dia, em que teria reunião comigo no Distrito, ligou pedindo desculpas: seu carro sofrera uma batida e ele ficaria a pé durante o conserto. Foi quando tive o estalo de Vieira. Lembrei das capas que não havíamos pago, pedi a Biu Amorim para levantar o montante devido a Milton. Ato contínuo, dividimos o pagamento em parcelas e mandei o carro da Superintendência ir buscá-lo na Oficina Propaganda para o acerto de contas. Milton ficou radiante o pagamento chegara na hora certa, para ele. Que me prestou uma derradeira homenagem, tempos depois, produzindo a capa de A Fala do Poder, desta vez remunerado, por Carlos Roberto de Oliveira, outro amigo que perdi na jornada da vida.
Nonato Guedes