O senador Raimundo Lira cometeu um gesto raro, por isso mesmo emblemático, na tão desacreditada atividade política ao anunciar que não disputará a reeleição pela Paraíba em outubro, o que significa que estará batendo em retirada da vida pública. Optou por esse desideratum após acuradas reflexões sobre o significado da política no contexto atual, definido como atípico por experts de diferentes tendências, de tal sorte que a revista Veja, em alentada matéria, chega a qualificar a próxima eleição presidencial como a eleição do fim do mundo, devido a algumas particularidades, uma das quais o fato de que o líder das intenções de voto em pesquisas de institutos é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está encarcerado em Curitiba sob acusações tais como corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Para a Paraíba, é extremamente lamentável que o parlamentar tome essa atitude. Ainda que ela não signifique descompromisso de Lira para com as causas de interesse do Estado, às quais se engajará na condição de empresário, com consciência da responsabilidade social que lhe cabe, representa um desfalque na tribuna do Congresso, pela atuação proativa que o senador sempre encetou, desde a primeira vez em que se elegeu, em 1986. Na época, era tido como um azarão e enfrentou e derrotou nas urnas um campeão de votos, o ex-governador Wilson Braga, com folha inequívoca de serviços prestados ao povo paraibano, mas enfrentando um processo de desgaste da sua imagem, que foi fatal para outras pretensões eventualmente cultivadas.
Embora tenha feito dobradinha na primeira vez com Tarcísio Burity, outro fenômeno recente egresso das urnas, Lira sempre palmilhou caminhos próprios, ou seja, sempre atuou de forma independente, fiel às suas convicções e concepções sobre o fazer político. No primeiro mandato, alcançou projeção em curto prazo de tempo no Senado, chegando a presidir a influente Comissão de Assuntos Econômicos, por cujo crivo passava a análise dos pedidos e liberações de empréstimos para Estados asfixiados por um modelo que se quer federativo mas que, na prática, sempre foi distorcido, penalizando as unidades dependentes da União, enquanto esta se fez dona do quinhão maior de recursos, de projetos, de obras estruturantes. Lira cumpriu integralmente o primeiro mandato, abrindo mão de outras postulações cogitadas ou a ele propostas, entre elas a disputa do governo do Estado.
Pragmático, voltou-se para as suas atividades empresariais durante cerca de três décadas, sem deixar de acompanhar com interesse o desdobramento dos problemas da Paraíba e sem deixar de oferecer seu contributo, em outras instâncias ou em outros canais, para o equacionamento desses desafios. Sempre teve opiniões firmadas a respeito dos acontecimentos que dizem respeito à conjuntura nacional e, em particular, à conjuntura paraibana. Ele descende de uma geração de empresários políticos forjada no otimismo com a busca de alternativas, mediante o recurso à imaginação criadora, à troca de experiências, ao acúmulo de informações sobre o que está se processando de inovador no mecanismo de progresso dos Estados e dos países. Foi devolvido ao mandato de senador por ser suplente do então senador Vital do Rêgo, que renunciou para assumir cadeira no Tribunal de Contas da União, designado que fora pela presidente Dilma Rousseff.
No retorno à titularidade do mandato, Raimundo Lira foi confrontado com desafios mais graves, o principal deles o processo de impeachment de Dilma Rousseff, no exercício da segunda gestão na presidência da República. O poder de articulação de Lira e a experiência por ele adquirida fizeram-no depositário da confiança dos colegas e ele foi escolhido para presidir a Comissão Processante do Impeachment de Dilma Rousseff. Atuou de forma absolutamente democrática, oferecendo amplo espaço para a defesa da presidente afastada e oportunizando o mesmo espaço para os inquisidores de Dilma, municiados de indícios e provas documentais para embasar a decretação do impeachment. Esse comportamento exemplar dignificou o senador Raimundo Lira e projetou favoravelmente a imagem da Paraíba no contexto nacional. Ultrapassada a fase traumática que resultou na investidura do então vice eleito na chapa de Dilma, o atual presidente Michel Temer, o senador Raimundo Lira cuidou de retomar a agenda proativa em defesa do Brasil e, em particular, da Paraíba. Foi o mais municipalista dos senadores não só da Paraíba, mas do país como um todo. Teve sensibilidade para fazer-se porta-voz das carências dos municípios e mantém-se nesse mister, como uma espécie de sacerdócio de homem público. Lira tem carreado investimentos e benefícios para a Paraíba é dessa forma que ele faz política, daí porque a notícia de que vai deixar a política chega como um sinal nada auspicioso nesses tempos de dificuldades e incertezas que o país enfrenta.
Nonato Guedes