Os desavisados, a princípio, imaginam que o governador Ricardo Coutinho (PSB) padece de recaídas provenientes da convivência com o Partido dos Trabalhadores, que foi fundamental no despertar da sua militância política-partidária. A impaciência demonstrada pelo chefe do Executivo sobre o posicionamento de petistas paraibanos que não abraçaram o seu candidato in pectoris à sucessão estadual, João Azevedo, seria um dos sinais dessa recaída. A questão é mais complexa do que se imagina. Há espasmos de amor e ódio na relação de Ricardo com petistas paraibanos, construída a partir do exercício do mandato de vereador, solidificada quando ele ascendeu ao mandato de deputado estadual, mas atropelada quando se tornou pública e notória a ambição de Coutinho de ser o prefeito de João Pessoa.
Foi no episódio da disputa pela prefeitura da Capital que se operou um turbulento divisor de águas entre petistas e ricardistas, agrupados às pressas num denominado Coletivo que entrou para o folclore político paraibano e que acabou sendo dizimado pelo próprio criador, num gesto de autofagia configurado em entrevista ao extinto Jornal da Paraíba em que deu adeus ao próprio Coletivo. Os adversários de hoje cunharam uma expressão ricardices para traduzir gestos intempestivos do governador, que Luciano Cartaxo, ex-companheiro dele e prefeito reeleito de João Pessoa, chamou de mau humor constante. Os paraibanos, no diagnóstico de Luciano, não aturam mais esse mau humor de Ricardo- uma alusão sutil ao decantado narcisismo do governante, outro atributo que costuma ser comentado à boca pequena, ora pelo receio de represálias, ora pelo temor devotado a Ricardo, tanto à sua língua ferina como ao seu poder intimidatório via caneta do poder institucional.
Abstraindo essas elucubrações, que cairiam bem em ensaios acadêmicos de maior densidade, sujeitos à defesa de tese perante banca intelectualmente dotada ou reputada, há uma certa lógica na impaciência que o governador vocalizou por dá cá aquela palha com petistas paraibanos. Ele invoca a autoridade moral de governador de um Estado pequeno e habitualmente discriminado pelo poder central que teve a coragem de perfilar com a presidente decaída Dilma Rousseff, do PT, quando esta vislumbrava o horizonte do impeachment. Ricardo tomou-se de fúria incontrolável contra o que patenteou como orquestração adrede preparada contra Dilma, com elementos de misoginia, como convém ao discurso dos que juram de pés juntos que houve um golpe para defenestrar a primeira mulher eleita presidente da República. Ou presidenta, título de que Dilma se jactava, talvez como concessão à vaidade pessoal. Ao cometer a ousadia de perfilar com Dilma, Ricardo caiu no índex do poder central de plantão, arremetido para o peito do ex-vice de Dilma, o emedebista Michel Temer, hoje dono de 82% de percentual de rejeição no capítulo popularidade.
Na sequência deu-se a via crúcis jurídica-penal imputada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então acusado da prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O coroamento dessa pseudo-estratégia coreográfica com motivações políticas foi a prisão de Lula, com seu recolhimento à sede da Polícia Federal de Curitiba, onde, apesar dos pesares, parece gozar de tratamento que beira a mordomia, mantido distante de outros presos, principalmente de presos comuns, por causa da majestade atribuída ao cargo que ele exerceu e que, no entendimento do juiz Sérgio Moro, foi danificado pelo envolvimento no acobertamento e/ou conivência com casos de saque ao erário público. Ricardo trouxe Lula e Dilma, antes da prisão de Lula, dando-lhes a deferência de inspecionarem obras da transposição das águas do rio São Francisco. Depois, quando Lula foi preso, o governador da Paraíba tentou fazer parte da comitiva que se habilitou a visitá-lo, em ato de solidariedade, na capital do Paraná, e que foi bloqueada no acesso por decisão da Justiça.
Todos esses atos de nada valem para reabsorção de Ricardo junto a agrupamentos petistas da Paraíba? É o que se pergunta o governador diante do desaguisado político provocado pela iniciativa de petistas autonomistas que em afronta a Ricardo abrem canais de conversação com a vice-governadora do Estado, Lígia Feliciano, pré-candidata ao governo pelo PDT, agremiação que no plano nacional tenta se aproximar do PT para tirar proveito dos votos lulistas, mas que não goza da simpatia do próprio Lula, por causa das posições agressivas disseminadas pelo pavio curto Ciro Gomes, pré-candidato da legenda a presidente da República. Se Ricardo tem razão? Nesse ponto, sim. Pode ter errado na reaproximação com o PT paraibano, agindo de forma autoritária, como se o partido fosse tributário do seu esquema alojado no PSB. Tirante esse noves fora, a cobrança por reciprocidade não parece desproposital muito pelo contrário….
Nonato Guedes