O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa tinha tudo para ser um candidato diferente e, por isso mesmo, com votos, na corrida pela presidência da República. Antítese de políticos tradicionais ou carreiristas, muitos dos quais condenou em processos no âmbito do Judiciário, ele simbolizava a esperança de parcelas influentes do eleitorado desencantadas com o atual figurino político, centrado na demagogia, no fisiologismo e na apropriação de recursos. Entretanto, no período em que esteve candidato, no PSB, Joaquim Barbosa consolidou a imagem de anti-candidato. Era de difícil acesso, recusava sugestões e normas da cúpula partidária, não comparecia a reuniões importantes e foi criando, em torno dele, uma aura de antipatia. Um interlocutor privilegiado do PSB, ainda recentemente, comentou num café da manhã: Joaquim Barbosa lê cinco jornais estrangeiros antes de ler os brasileiros. Ele queria ser o príncipe ou ser o presidente e ter um primeiro-ministro.
Numa reportagem para a revista Época, Sérgio Roxo descreve episódios de bastidores do parto da candidatura de Barbosa, todos pontuados por complicações que acabaram gerando mal-estar entre socialistas. Num tuíte de 24 palavras postado às 10h07 do dia oito de maio, Joaquim Barbosa pôs um fim às aventuras de sua candidatura e ao repertório de joaquinices, como eram chamadas as histórias protagonizadas por ele. No final das contas, dirigentes socialistas respiraram aliviados o prognóstico, entre eles, é o de que uma candidatura de Joaquim seria um problemão. Ele se tornara um postulante difícil de ser engolido até pelos apoiadores. O primeiro sinal amarelo teria acontecido no ato de sua filiação ao PSB. Uma pequena recepção fora organizada num hotel de São Paulo para brindar a chegada do potencial candidato à Presidência. Tudo havia sido planejado ao gosto do homenageado: brinde discreto, pouca gente, nada de imprensa nem de bafafá. No dia seis de abril, véspera do fim do prazo oficial de filiação, Barbosa não respondia ao WhatsApp, não atendia o celular, amigos não sabiam do seu paradeiro. No meio do dia, um emissário apareceu no hotel com a ficha de filiação assinada e o ex-ministro continuou sumido. No dia seguinte, Barbosa se manifestou por uma nota distribuída à imprensa em que dizia que o PSB deixou claro que não lhe garantia de antemão a legenda para uma possível candidatura à Presidência. Passados uns dias, ele teve uma conversa com integrantes de sua provável futura equipe de campanha.
Ao ser questionado sobre haver algum modelo de candidatura que lhe apetecesse, ele foi enfático: Gosto muito da campanha do Miterrand (François Miterrand, na França), no segundo mandato. Ele nem precisou sair de casa. Um dos interlocutores ficou intrigado. O ex-presidente francês havia sido reeleito pela maioria dos votos. Era evidente que ele não precisara fazer campanha como alguém que se arriscava pela primeira vez nas urnas. Quando a engrenagem do PSB começou a pensar no tipo de estrutura e programação que acomodaria alguém que achava que o melhor jeito de fazer campanha era não saindo de casa, tudo desandou. Joaquim Barbosa continuou sumido, difícil de ser localizado e não respondia às mensagens do grupo de celular do qual faziam parte figurões do PSB. Ainda assim, optou-se por dar um tempo. No dia 19 de abril, na sede do PSB em Brasília, a cúpula do partido comemorava resultado de pesquisa eleitoral colocando Barbosa com 10% das intenções de voto, atrás de Bolsonaro, mas em terceiro lugar. Na reunião marcada para tentar acertar os ponteiros com o ex-ministro, a luz se tornou vermelha. Na porta da sede do partido, a corrente Negritude Socialista esperava Barbosa com uma chuva de pétalas de rosa e um cartaz com uma mensagem de acolhida. Quando ele avistou a trupe, fez um muxoxo. Dirigentes do agrupamento tentaram abordá-lo, mas ele deu um corte: Tenho horário.
Barbosa queixava-se até da cadeira que ocupou em reuniões de cúpula. Esta cadeira está insuportável, comentou, assim que se acomodou no assento. O ex-ministro tem problemas na coluna desde os tempos do Supremo. Houve outros desencontros e aborrecimentos. Quando abordado sobre o enredo preparado para mostrá-lo como uma pessoa de origens humildes, vencedora na vida, Joaquim interrompeu o presidente Carlos Siqueira afirmando que pobreza era coisa de seu passado, que ele era de classe média havia décadas e sempre teve boa condição social. Os constrangimentos iam se acumulando. Uma proposta de reuniões pelo país batizadas de Conversa com Joaquim, nas quais o pré-candidato seria apresentado aos correligionários, foi rechaçada por ele. De modo curto e grosso, Barbosa disse que tinha um escritório de advocacia, pareceres jurídicos a elaborar e que não havia a menor possibilidade de participar desses debates por falta de agenda. O tuíte de 19 de abril selou o fim do namoro do PSB com Barbosa. E o processo de retirada da sua candidatura. Joaquim não tinha o menor jogo de cintura para entrar na política e disputar mandatos.
Nonato Guedes, com Época