Há um fenômeno em curso no cenário político-eleitoral brasileiro que não pode escapar à atenção dos observadores e analistas em geral: a influência que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva exerce no processo que conduzirá eleitores às urnas este ano, mesmo estando recolhido à prisão, na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, condenado que foi a 12 anos sob acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula consegue manter-se em evidência mesmo preso, e o PT, cioso do seu prestígio e da condição de mártir que vem sendo explorada, decidiu não cogitar nenhum Plano B para a disputa presidencial, concentrando todas as fichas na candidatura de Lula, que, como se sabe, é praticamente impossível, dada a sua condição de ficha suja. Por trás dessa jogada há movimentos de pressão para sensibilizar a Justiça a rever a condenação imposta a Lula e decretar a sua liberdade.
O PT já demonstrou que além de saber produzir escândalos como o do mensalão e do petrolão, que feriram de morte o antigo dogma do partido a ética, tem fôlego para iludir e seduzir parcelas da opinião pública, inclusive segmentos aparentemente politizados, com narrativas enviesadas sobre golpismo (no que diz respeito ao impeachment de Dilma Rousseff) e sobre perseguição (referência à condenação de Lula e à sua prisão). A estratégia dos cardeais petistas, revestida de malandragem descarada, passa pela deificação de Lula, ou, pelo menos, pela sua canonização política. A narrativa, aí, consiste em tentar convencer que Lula paga o preço de ter desafiado as elites do país o que é uma inverdade, quando se constata que as campanhas petistas profissionalizaram-se nos últimos anos com injeções de empreiteiras e empresas, aliciadas ou coagidas numa incestuosa relação em que uma mão lava a outra. São fatos impagáveis e, emocionalismos à parte, contra eles não há contestação.
Lula tem que ser incensado a toda hora para o bem ou para o mal, porque é o grande nome, o símbolo de um partido que se apresentou como diferente de tudo que está aí e que se revelou, no poder, uma agremiação pior do que outras que por ele passaram e mantiveram um mínimo de preocupação com o destino do dinheiro público. Ainda hoje há quem pergunte porque Dilma Rousseff, que sofreu o impeachment e elaborou para justificá-lo a narrativa de que fora vítima de misoginia, por ser a primeira mulher eleita presidente da República, não capitalizou o papel de vítima no enredo petista. A verdade é que Dilma nunca foi absorvida dentro do PT sempre foi vista como oportunista, herdeira do brizolismo, que enfeitiçou Lula no governo por falta de alternativa deste para manter o PT no poder e também por não ser uma concorrente de peso para fazer sombra a Lula dentro e fora do PT. No dizer do próprio Lula, Dilma foi o poste que ele elegeu. E, diga-se de passagem, não houve nenhum protesto das feministas do PT ou de outras facções de esquerda contra essa comparação profundamente machista de Lula. Dois pesos e duas medidas? Que nada! Hipocrisia mesmo.
Até este momento, Lula e o PT já conseguiram o que desejavam de imediato tumultuar o processo político-eleitoral que se prepara no país, de tal sorte que presidenciáveis lançados ou que estão em evidência não empolgam decididamente fatias do eleitorado e o presidente da República que teria dado o golpe para ficar no cargo e nele distribuiu dinheiro oriundo de contribuições previdenciárias atinge a façanha de obter a maior reprovação popular de um governante na história do Brasil, com percentuais de rejeição oscilando entre 70% e 72%. Michel Temer (MDB) começa a ser evitado, inclusive, por candidatos a governador e a presidente da República do seu partido ou de partidos aliados, pelo receio de contaminação do desgaste que ele atraiu por absoluta incompetência, por inépcia no cargo.
Enquanto isso, Lula se esmera no seu teatro particular (ele é muito bom nisso). E de dentro da cela monopoliza o noticiário, ora pelo que diz, ora pelo que não diz. Sabe, por intuição, que é assim que os mitos são construídos falta a ele aprofundar leituras para entender como os mitos são desconstruídos. Mas Lula, decididamente, não se importa com isso. Mal comparando, age como o gaúcho do poema de Ascenso Ferreira que diz: pouco importa que a mula manque/o que eu quero é rosetar. Lula quer confundir, porque está preso e ameaçado de não disputar a eleição para voltar ao Planalto. A conferir!
Nonato Guedes