O ex-ministro José Dirceu não escondeu a mágoa de ter sido passado para trás pelo presidente Lula e chegou a dizer que estava preparado para morrer na prisão. O ex-deputado Eduardo Cunha tinha medo de ser executado e confidenciou segredos que nem seus advogados conhecem até hoje. O bilionário Marcelo Odebrecht, que fazia 3 000 flexões por dia, queixava-se de ter sido escravizado pela corrupção. E o ex-ministro Antonio Palocci, depois que resolveu contar o que sabia sobre as trapaças do seu partido, teme pela segurança de sua família. Nos últimos tempos, a Superintendência da Polícia Federal do Paraná abrigou e ainda abriga os criminosos mais famosos do Brasil. Na solidão de uma cela, falar com alguém em particular ou ser ouvido em um momento de angústia pode fazer a diferença, em alguns casos, até entre a vida e a morte. Foi nesse ambiente que o agente Newton Ishii virou uma personalidade.
O Japonês da Federal, como ficou conhecido ao aparecer na TV, conduzindo os presos da Lava-Jato, chefiou a carceragem da PF em Curitiba. Em cada nova fase da operação mais de cinquenta lá estava o policial grisalho atrás de um par de óculos escuros ciceroneando as celebridades. Foram mais de 200. A cena virou símbolo, o Japonês virou memes e foi tema de uma marchinha de Carnaval. Aposentado há quatro meses, escreveu O Carcereiro (272 páginas, Editora Rocco, em parceria com o jornalista Luís Humberto Carrijo), em que relata histórias pitorescas. Seu Newton, como os presos chamavam o policial, foi um observador e ouvinte privilegiado. A revista Veja, em sua última edição, focaliza alguns exemplos dessas narrativas.
O ex-ministro José Dirceu, que hoje está em prisão domiciliar, é o preso que todo carcereiro gostaria de ter devido à sua disciplina. No livro, Ishii conta que, assim que chegou à prisão, o ex-ministro lhe fez uma confidência: Morrer na cadeia é para mim algo natural. Seria o ato final do autossacrifício a que se submeteu desde que a Lava-Jato descobriu sua empresa de consultoria, criada para receber propina. Ishii e Dirceu tiveram um diálogo revelador:
– Poxa, Dirceu, era para você ter sido nosso presidente! E te vejo aqui?
– Eu nunca fui o escolhido do Lula respondeu o ex-ministro.
– Quero dizer que, caso não tivesse havido o mensalão, seria você, não a Dilma, o sucessor do Lula insistiu o Japonês.
– Você não entendeu. A mesa estava posta para o Palocci. Mas tanto eu como ele fomos atropelados pelos acontecimentos.
O ex-ministro tinha medo de ser envenenado na cadeia e nos primeiros dias de prisão se recusou a tomar seu remédio para hipertensão. Temia ser dopado e interrogado. Aceitou o medicamento seis dias depois, ainda assim apenas quando os agentes concordaram em entregar as cápsulas dentro de uma caixa lacrada. Certa vez, Ishii arriscou uma pergunta: E o PT?. Dirceu não hesitou: O PT acabou. Um caso emblemático na Lava-Jato foi a prisão de Marcelo Odebrecht, dono de um império, que chegou à carceragem em junho de 2015. Chamou logo atenção pela empáfia e pelo atrevimento. No início, isolou-se dos demais. Dormia cedo, acordava cedo e praticava cinco horas ininterruptas de exercícios físicos (fazia 3 000 flexões de braços, usava galões de água como alteres, corria duas horas no banho de sol e utilizava um aparelho que permitia simular a subida equivalente a 800 metros de escada). Obcecado por limpeza, o empreiteiro tentava preservar ao máximo seus familiares. Um dia, sua esposa, Isabela, foi visitá-lo. Ele estava inquieto, olhando para os lados a todo momento:
– Chegou um bandido aí disse à mulher, explicando o motivo da preocupação.
– E você, o que é? rebateu ela.
– Estou falando de bandido perigoso, traficante, assassino respondeu, irritado.
Há histórias de tentativas de suicídio e até de ameaças de presos de contar coisas que a terra vai tremer, como insinuou o ex-deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, que sentiu pavor ao entrar pela primeira vez na carceragem da Polícia Federal. Isso tudo está relatado no livro do Japonês da Federal.