Oportunidades não faltaram, para que o senador paraibano Humberto Lucena se candidatasse ao governo da Paraíba durante mais de 40 anos de vida pública. Mas as circunstâncias conspiraram para que ele fosse um homem do Parlamento, onde exercitava dotes invejáveis, mesclados pela moderação que emprestava característica peculiar à sua personalidade. Humberto presidiu o Senado da República por duas vezes numa mesma legislatura. Derrotou um nome nacionalmente expressivo, como Nelson Carneiro, representante do Estado do Rio e autor da Lei do Divórcio no Brasil. E venceu, também, José Fragelli, do Mato Grosso, que tinha apoios não menos expressivos no Parlamento.
A tarefa de presidir o PMDB da Paraíba e conduzi-lo a porto seguro durante as tempestades talvez tenha contribuído para afastar Humberto da hierarquia do Executivo no seu Estado. Ele abriu mão da indicação, quer para correligionários, quer para cristãos-novos que tinham densidade eleitoral ou prestígio político. Foi assim que por duas vezes adotou Antônio Mariz como candidato ao Palácio da Redenção. Em 86, estava praticamente tudo certo para que Lucena fosse o postulante peemedebista ao governo, mas recolhido ao Incor em São Paulo ele cedeu a vez a Tarcísio Burity, então fenômeno eleitoral e dissidente recém-chegado ao PMDB. De sua parte, encarou novamente a eleição ao Congresso, e ganhou.
Naturalmente o papel como senador ofuscou a passagem de Humberto pela Câmara Federal, onde exerceu alguns mandatos. Mas é oportuno lembrar, até para registro histórico, que Humberto foi altivo e corajoso na tribuna da Câmara, com pronunciamentos duros em que denunciou a censura à imprensa, pediu eleições diretas e deplorou com veemência as torturas praticadas pelo regime militar contra presos políticos. Há indícios de que seu nome chegou a entrar no índex dos opositores da ditadura para serem cassados pelo AI-5, instrumento discricionário, típico de regimes que recorrem à força para se manter porque não conseguem a bênção popular para se legitimarem. Mas a projeção de Humberto no cenário nacional inibiu os prováveis cassadores de mandatos a tomar qualquer medida punitiva para tolher a sua atuação, combinada com a repercussão desgastante que o episódio teria.
Humberto honrou a Paraíba no Congresso Nacional e alguns depoimentos sobre ele falam mais alto. Como o do senador cearense Mauro Benevides: Quanto mais árduas eram as adversidades, Lucena impunha-se diante de seus pares pela serenidade e determinação, compondo muitas vezes tendências antagônicas em nome do inarredável princípio do fortalecimento do Poder Legislativo. O senador gaúcho Pedro Simon tinha Humberto na conta de um homem honrado, que soube colocar, sempre, os interesses da Pátria, acima dos interesses pessoais. O cacique baiano Antônio Carlos Magalhães disse: Quem detém mandato por mais de 40 anos com eleições livres do povo, evidentemente é digno do apreço, do respeito do povo do seu Estado e do povo do seu país. No ano em que o país se prepara para a renovação de mandatos, inclusive ao Senado, não há como deixar de lembrar a passagem fulgurante de Humberto pela cena política brasileira. Ele dignificou as melhores tradições da Paraíba, desafiando o preconceito por ser nordestino. E foi um abnegado na defesa das causas públicas de grande interesse.
Nonato Guedes