A campanha eleitoral me traz à memória a figura de Dom José Maria Pires, que faleceu como arcebispo emérito da Paraíba e que foi um expoente da resistência dentro do clero brasileiro e nordestino contra as injustiças e opressão do regime militar instaurado em 64 e do sistema econômico desigual que ele viu, de perto, brotar nesta região do semiárido vincada, sempre, por muitas adversidades e raríssimas conquistas. Invariavelmente nos períodos eleitorais, seguindo uma recomendação da CNBB, Dom José preparava a Carta Pastoral aos fiéis, orientando-os didaticamente sobre a importância do voto como arma transformadora e de não-violência e, sobretudo, sobre a importância de não vender o voto em troca de favores ou de benfeitorias de última hora que cabe ao poder público realizar.
Dom José fazia-se incisivo nas pregações a respeito de campanhas políticas, mas ia além disso: formulava propostas aos candidatos a governador, contendo indicações da Igreja baseadas na realidade sobre prioridades que deveriam ser encaradas com urgência, em virtude da conjuntura de extrema pobreza, agravada, no Nordeste, pelo fenômeno cíclico da estiagem que gerou, entre especialistas técnicos, a tese de convivência com a seca. A Igreja não se colocava como apêndice de partidos políticos, eis que ela sempre foi ciosa da sua autonomia e do seu poder. Mas, ao apontar predicados que eleitores deveriam buscar em candidatos, acabava fornecendo pistas, indiretamente, sobre os postulantes mais identificados com as lutas populares.
Tratado por Sampaio Geraldo Lopes Ribeiro, biógrafo seu, como Uma Voz Fiel à Mudança Social, Dom José Maria Pires surpreendeu-me, na campanha eleitoral de 1982, com um convite para participar, junto com meu editor da TV Cabo Branco, Erialdo Pereira cuja morte completou dois anos de uma explanação a membros do clero no Centremar sobre o que estava em jogo naquela disputa. Concorriam ao governo estadual Antônio Mariz, já pela legenda do PMDB, Wilson Braga, vinculado a grupos conservadores e alistado no PDS, sucedâneo da Arena, e Derly Pereira, pelo Partido dos Trabalhadores. Foi a primeira vez que o PT lançou candidato a governador na Paraíba, mas o pleito polarizou-se entre Wilson e Mariz, com a vitória acachapante do primeiro por cerca de 151 mil votos de diferença.
A surpresa maior derivada do convite de Dom José para que eu e Erialdo estivéssemos no debate no Centremar decorreu do fato de que esperávamos uma plateia de jovens seminaristas, ávidos por informações sobre a engrenagem política, cujos bastidores conhecíamos por força do ofício de jornalista e do trânsito junto a diferentes forças do espectro político local. Ao invés de jovens seminaristas, a plateia do Centremar abrigava ícones como Dom Helder Câmara, Dom Marcelo Carvalheira, Dom Fragoso, de Crateús, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, de Campina Grande. O alto nível da assistência inibiu-nos a princípio, mas coube a Dom José criar o clima propício para uma palestra proveitosa e um diálogo ainda mais esclarecedor. Dom Helder e Dom José fazendo perguntas a mim e a Erialdo? Havia isto, sim. Eles e os demais aproveitaram para tirar dúvidas, para indagar quem era o Grupo da Várzea, quais as ligações concretas de Wilson Braga e os vínculos de Antônio Mariz, este tratado por nós como reformista, que era, de fato, o seu perfil. Foi uma das melhores experiências que tivemos, eu e Erialdo, na lide jornalística. No final, ficou ressoando nos nossos ouvidos a frase que virou mantra na boca de Dom José: Não vendo pão, vendo fermento!. Grande Dom José!
Nonato Guedes