A presidência da República é, essencialmente, um cargo solitário, e o presidente deve estar preparado para ouvir propostas capazes de tirar o sono. Foi o que aconteceu com o engenheiro Itamar Franco, ex-governador de Minas Gerais e ex-senador, que foi investido no Palácio do Planalto em dois de outubro de 1992, devido ao impeachment do titular, Fernando Collor de Melo, envolvido em esquema de corrupção comandado pelo seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias. Itamar governou até primeiro de janeiro de 95 e foi surpreendido, à frente do cargo, pela proposta de um grupo de deputados: e se o presidente, num arroubo, fechasse o Congresso Nacional para depurar o Parlamento da presença de roedores do dinheiro público?. Itamar rechaçou com veemência a proposta, por ele considerada indecorosa.
Engenheiro civil e eletrotécnico, Itamar faleceu aos 81 anos, em dois de julho de 2011, em São Paulo. Logrou a façanha de eleger seu sucessor o seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, com quem depois teve atritos. FHC teve carta-branca para implantar um programa de estabilização da economia, que combateu a inflação, promoveu o ajuste fiscal e neutralizou o déficit público. O chamado Plano Real entrou em vigor em primeiro de julho de 1994 e catapultou Fernando Henrique para o topo das intenções de voto, favorecendo a sua vitória. Itamar foi, depois de presidente da República, embaixador do Brasil em Portugal e na OEA. Era tido como um político sério, mas de pavio curto, o que lhe valeu o apelido de mercurial, numa vaga alusão ao seu temperamento.
Nascido a bordo de um navio na costa da Bahia, Itamar foi registrado na cidade de Salvador. Casou-se com Ana Elisa Surerus, em 1968, com quem teve duas filhas. A separação aconteceu dez anos depois e Itamar chegou a namorar Lisle Lucena, filha do senador paraibano Humberto Lucena (PMDB), que foi presidente do Senado por duas vezes. Uma das frases prediletas de Itamar consistia em falar do fim da época dos chefes de Estado com poderes quase imperiais, no Brasil. Uma frase famosa atribuída a Tancredo Neves dava conta de que Itamar guardava rancor na geladeira. Itamar não é fácil,dizia-se, de forma insistente, no círculo de amigos do ex-presidente da República. Nos anos 70, foi prefeito de Juiz de Fora, no interior mineiro, posteriormente concorrendo ao Senado e ascendendo ao governo de Minas Gerais. Quando foi convidado por Fernando Collor, para ser seu vice na campanha de 89, Itamar demorou a responder e alimentou suspense no noticiário a respeito das suas pretensões.
Num depoimento ao jornalista Geneton Moraes Neto, também já falecido, Itamar Franco admitiu que passava a imagem de um presidente cerceado pelo poderoso primeiro-ministro Fernando Henrique Cardoso. Mas teve o cuidado de avisar aos navegantes que a encenação era planejada e que não havia amadorismo por trás da orquestração. O Plano Real, pilotado por Fernando Henrique Cardoso e por um grupo de renomados economistas, foi a galinha dos ovos de ouro no sentido de dar visibilidade à passagem de Itamar Franco pelo exercício do poder. A imprensa cunhou a sua equipe política de República pão-com-queijo, numa alusão à sua militância política em Minas Gerais.
Nonato Guedes