Maria de Lourdes de Lemos Luna, natural de Areia, a terra de José Américo de Almeida, confundiu-se com o próprio mito da literatura e da política. Durante quase duas décadas, na condição de secretária do ministro, no seu refúgio na orla marítima de João Pessoa, Lourdinha foi testemunha privilegiada de episódios marcantes que pontuaram a trajetória do Solitário de Tambaú. Com a sua morte, ontem, foi embora um pedaço valiosíssimo da história da Paraíba. No dizer do próprio José Américo de Almeida, Lourdinha era seus olhos e sua máquina de escrever, atenta vigilante do seu regime alimentar e bem estar pessoal. Também controlava a agenda de encontros, visitas e audiências com José Américo, que, conforme Severino Ramos, teve a solidão mais frequentada de que já se tivera notícia.
Ao perder o pai, João Júlio Ferreira de Luna, aos cinco anos de idade, Lourdinha veio residir na capital do Estado em companhia da avó materna. Fez seus estudos primário e secundário no Colégio Nossa Senhora das Neves. Iniciou sua atividade funcional como secretária do seu conterrâneo, o escritor Horácio de Almeida. Posteriormente, a convite do deputado Jacob Frantz, passou a integrar o Quadro de Pessoal do Poder Legislativo como secretária de comissões técnicas. Em seguida, secretariou os deputados João Fernandes de Lima, Ivan Bichara Sobreira, Ramiro Fernandes e Pedro Gondim. Após a eleição deste último para o governo estadual, integrou o gabinete do secretário do Interior e Justiça, Sílvio Porto. Mais adiante, por determinação do governador Pedro Gondim, passou a dedicar a José Américo um dos expedientes que cumpria na Casa Civil. Empossado governador, João Agripino Filho liberou-a da função pública para que pudesse em tempo integral dar assistência a José Américo, auxiliando-o na elaboração de suas memórias. Tornou-se secretária do Conselho Deliberativo da Fundação Casa de José Américo, criada pelo governador Tarcísio Burity e que foi um sonho acalentado por Lourdinha desde 1967, quando José Américo alcançara a imortalidade acadêmica.
Nos livros que publicou, Rastros na areia e Na varanda do Cabo Branco, Lourdinha narrou fatos protagonizados pelo ícone José Américo. Como testemunha privilegiada de episódios marcantes, enfrentava apelos para contar esses episódios. Rendeu-se à cobrança, mas deu a impressão de que não contou tudo, fiel ao exame de sua própria consciência sobre o que seria possível contar, mas avançou bastante e satisfez a expectativa de muitos. Ao enveredar por eleições indiretas dos governadores da Paraíba no período de 1971 a 1978, Lourdinha forneceu subsídios relevantes acerca do papel desempenhado em fase crucial da vida política paraibana. Esse desideratum tornou-se essencial para a autora, diante da variedade de achismos, entremeados de especulações, de versões desencontradas, algumas forjadas para acobertar interesses inconfessáveis.
Lourdinha colocou-se na perspectiva de secretária e confidente que viu coisas, ouviu e anotou detalhes para resgatá-los na sua inteireza. Evitando a tentação das ilações pessoais, ateve-se a fatos e ainda que não contando tudo aprofundou o caleidoscópio de informações que matizaram processos históricos decisivos. Não se limitou na narrativa e traçou um painel das mutações da sociedade, perfazendo o elo com o contexto em que se plasmou a biografia de José Américo de Almeida. É curioso que Lourdinha tenha falecido poucas horas depois do sepultamento de Biu Ramos, frequentador privilegiado do terraço de José Américo de Almeida.
Nonato Guedes