Oficialmente, é claro, a cúpula do Partido dos Trabalhadores não admite que já abandonou a ideia fixa ou a obsessão de ter o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidato a presidente da República nas eleições de outubro. Mas, no paralelo, o PT começa a preparar o terreno para a entrada em cena do candidato-substituto ou tampão de Lula na corrida presidencial o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que não logrou sequer ser reeleito em 2016 e não tem penetração no Nordeste, base preferencial do petismo nos últimos anos. Haddad é o sucessor natural de Lula porque merece sua confiança e não questiona suas ordens. Lula, como se sabe, detesta ser contrariado, até porque sempre se julgou dono da verdade absoluta.
O registro de que o PT está se rendendo aos fatos deve vir acompanhado da expectativa quanto à coreografia que o partido vai fazer até a undécima hora do pleito, para tentar carimbar e massificar Haddad como o candidato de Lula, o seu alter-ego na campanha. A vice, Manuela DAvila, do PCdoB, não agrega muito potencial a Haddad, mas tem a vantagem de revestir a chapa de um viés esquerdista, numa campanha em que a extrema-direita vem com toda a força, na figura de Jair Bolsonaro, e o centro tentará emplacar Geraldo Alckmin, o outrora picolé de chuchu, como seu representante mais legítimo. Aliás, não é bem o centro. É o Centrão, que, segundo a revista CartaCapital, foi originalmente montado por Eduardo Cunha quando reinava como presidente da Câmara dos Deputados, senhor de baraço e cutelo nas votações cruciais e no impeachment de Dilma Rousseff até ser defenestrado do poder e tornar-se habitante de celas policiais.
A inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é flagrante, de tal forma que cabe utilizar uma expressão do ministro Luiz Fux, de que a candidatura de Lula é irregistrável, pela simples razão de que ele foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, está recolhido à Polícia Federal em Curitiba e foi alcançado pela Lei da Ficha Limpa que, curiosamente, o transforma em ficha-suja, impossibilitando-o, portanto, de concorrer em pé de igualdade com outros postulantes que não ostentam esse prontuário, pelo menos até agora. O que atormenta o PT é qual a melhor estratégia para operar o milagre da transferência de votos de Lula para um tampão, no caso Fernando Haddad. Lula ganhou fama ao transferir votos para Dilma Rousseff. Elegeu e reelegeu um poste, como ele mesmo qualificou, em linguagem pouco convencional e até mesmo desrespeitosa. Mas a antiga Mãe do PAC, essa é que é a verdade, era uma ilustre desconhecida, e foi por artimanhas de Lula que chegou lá.
É preciso levar em conta que cada caso é um caso, o que significa que não dá para comparar as disputas de Dilma com a disputa deste ano tendo Haddad como protagonista. Nas campanhas em que Dilma concorreu, o seu cabo eleitoral maior, o ex-presidente Lula, estava solto, equivale dizer, não fora feito prisioneiro pela Polícia Federal nem condenado por órgão colegiado. Lula pôde percorrer o país inteiro, discursando a céu aberto e vendendo o seu peixe do milagre da multiplicação dos pães, das universidades e do poder aquisitivo das camadas situadas abaixo da linha de pobreza. Agora, não. Lula será sujeito oculto da eleição. O ringue terá Haddad de peito aberto, expondo-se às críticas sobre incongruências, contradições e espertezas cometidas pelo Partido dos Trabalhadores. Pode ser que haja algum tipo de reação, em solidariedade a Lula, que acabe catapultando Haddad. Mas, a dados de hoje, o PT vai enfraquecido para uma disputa absolutamente atípica na história brasileira. A conferir, então!
Nonato Guedes