Em meio à balbúrdia que tomou conta do cenário eleitoral em 1989, quando ocorreram as primeiras eleições diretas para presidente da República pós-ditadura militar, o candidato Fernando Collor de Mello, que se apresentou como caçador de marajás, como eram chamados funcionários públicos que ganhavam altíssimos salários, passou a liderar pesquisas de opinião pública uma semana depois de se lançar pelo PRN, um partido pequeno, que significava Partido da Reconstrução Nacional. O total de candidatos ao Planalto em 89 foi de 25, incluindo alguns pesos-pesados da política como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Mário Covas.
O candidato a vice de Collor era o senador mineiro Itamar Franco, remanescente do MDB-PMDB, tido como um político sério. A primeira opção que Collor preferiu foi a deputada Márcia Kubitscheck, filha do ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, que transferiu a Capital federal para Brasília. Itamar acabou ungido, embora não tivesse relação muito cordial com Collor, que demonstrava ser impetuoso. Fernando, ex-governador de Alagoas, estreou em cadeia nacional de televisão em 30 de março, dizendo ser um candidato ousado que era contra tudo isso que está aí. O projeto de candidatura do ex-governador alagoano ao Palácio do Planalto existia desde 1987 e as primeiras linhas foram traçadas numa viagem de lazer à China, onde a comitiva colllorida degustou pato laqueado e ergueu brindes ao futuro presidente.
O historiador Jaime Klintowitz, em um dos seus livros sobre acontecimentos históricos do Brasil, salienta que houve um momento da campanha de 89 em que parecia que Collor iria levar o mandato de presidente no primeiro turno, mas isto não aconteceu. O segundo turno, travado contra Luiz Inácio Lula da Silva, fundador do Partido dos Trabalhadores, adquiriu aspecto plebiscitário, o que favoreceu Collor. Lula era tido como o sapo barbudo, nas palavras de Leonel Brizola, difícil de engolir. Todos aqueles assustados com o esquerdismo destemperado do PT daquele tempo correram para os braços do caçador de marajás. No início do ano, viera a público que Lula tinha uma filha, Lurian, de 15 anos, nascida fora do casamento e ausente de sua biografia oficial. Na reta final da campanha, Collor levou ao ar o depoimento da mãe de Lurian, Miriam Cordeiro. Com rancor de mulher desprezada, Miriam afirmou ter resistido à insistência de Lula para que abortasse a criança. Pegou mal para o candidato apoiado pela Igreja Católica e com o discurso dirigido ao segmento mais pobre e conservador da sociedade.
Jaime Klintowitz é taxativo: A exposição de sua intimidade foi um golpe abaixo da linha da cintura que abalou Lula. É possível que a revelação tenha contribuído para seu visível desconforto no último debate, às vésperas das eleições. Fernando Collor de Mello recebeu 42,75% dos votos contra 37,86% dados a Lula. Tomou posse em quinze de março de 1990, tornando-se o mais jovem presidente do Brasil e o primeiro eleito por voto em três décadas. Exatos 35.089.999 brasileiros optaram por entregar a chave do cofre ao ladrão. Mas isso só se soube mais tarde, quando do impeachment de Collor.
Nonato Guedes