Caso singular na política brasileira, o sociólogo, ensaísta e antropólogo Gilberto Freyre, autor do clássico Casa Grande & Senzala foi eleito deputado federal constituinte em 1946 como representante de Pernambuco praticamente por imposição dos estudantes do Recife, à época engajados em lutas pela redemocratização que provocaram o bárbaro assassinato do estudante de direito Demócrito de Sousa Filho. Freyre havia tido participação ativa ao lado dos estudantes na campanha pela candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República. Falou em comícios, escreveu artigos, animou os estudantes na luta contra a ditadura. A UDN ofereceu em sua representação na Assembleia Nacional Constituinte um lugar aos estudantes do Recife e estes preferiram que seu representante fosse Gilberto Freyre. Eleito, foi rapidamente acolhido pela intelectualidade udenista de que fazia parte o paraibano José Américo de Almeida. Mas não logrou se reeleger reconhecendo não ter vocação para o varejo da política. Logrou concretizar uma de suas maiores metas: a criação de um Instituto de Pesquisas Sociais em Pernambuco, que ganhou o nome de Joaquim Nabuco e ainda se mantém como referência mundial.
Definido por Monteiro Lobato como gênio, Gilberto Freyre, que veio a ser conhecido como O Mestre de Apipucos, foi presidente da UDN em Pernambuco e na década de 40 chegou a ser preso em meio a confronto com o governo do interventor Agamenon Magalhães, remanescente do Estado Novo, a ditadura implantada por Getúlio Vargas. Em outra ocasião, Freyre foi preso e espancado por ter escrito artigo no Diário de Pernambuco acusando um monge beneditino de ser racista e nazista. Laureado no exterior pela sua sólida formação intelectual, Freyre faleceu aos 87 anos em sua casa, no Recife em 18 de julho de 1987. Era respeitado pela farta produção literária e por ter aprofundado análises sobre a formação histórica do Brasil, introduzindo a questão da miscigenação de raças como característica da sociedade. Freyre tomou partido pela deposição do governo do presidente João Goulart em 1964, o que tornou execrado pelos esquerdistas de todo o país. Seus discursos versaram sobre temas como constitucionalismo, presidencialismo, ordem econômica e social, regionalismo e universalismo.
A respeito da sua não-reeleição, o próprio Freyre admitiu que uma das causas foi não ter dado muita atenção ao varejo da política, deixando de pugnar por recursos para a sua base eleitoral ou de adular as bases por meio dos tradicionais encontros e inauguração de obras nos fins de semana. Ao contrário, o scholar preferia o contato com o grande público e os estudantes de vários pontos do Brasil pelas conferências e palestras que ministrava. Textualmente, sobre tudo isso, foi enfático: Continuo a não saber ser de partido senão hóspede, como fui e continuo a ser da generosa União Democrática Nacional. Continuo a não saber pedir voto, continuo a não saber apresentar-me candidato (…) É falso que eu seja ou declare ser um desencantado do Parlamento, de câmara, de política e de políticos democráticos. Apenas não sendo rigorosamente político nem ortodoxamente partidário, só voltaria ao Parlamento pelo mesmo caminho por que vim ao Parlamento.
Diz o professor Jairo Luis Brod em ensaio sobre Gilberto Freyre: A aventura parlamentar do mestre de Apipucos, pelas contribuições que fez à divulgação das ciências sociais no Brasil, bem como pela qualidade de seus discursos e apartes, em que sobressaía sua sólida bagagem antropológica e cultural, e sempre a serviço das mais altas causas da brasilidade, pode figurar ao lado das maiores expressões do Parlamento nacional, panteão em que se destacam Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, José Américo de Almeida, Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Ulysses Guimarães, Paulo Brossard, Jarbas Passarinho e Mário Covas.
Nonato Guedes, com pesquisas