Em proveito da verdade, é fundamental que pelo menos duas lições sejam extraídas do atentado perpetrado contra o presidenciável Jair Bolsonaro, em atividade de campanha, ontem, em Juiz de Fora, Minas Gerais. A primeira delas é que o atentado é um sub-produto da onda de intolerância que tomou conta do país nos últimos anos em virtude de discussões políticas, que saíram do terreno da retórica para o pantanoso terreno do enfrentamento, quer vis a vis, quer em redes sociais, como se tem testemunhado, com a ruptura até de relações de amizade. O segundo ponto que não pode ser ignorado é que Bolsonaro, em certa medida, tem contribuído para agudizar o clima de intolerância na sociedade, não apenas com o discurso do ódio mas com atitudes machistas, revanchistas, incompatíveis com a prática democrática.
Fazer essa ilação impõe-se porque há da parte do brasileiro médio a tendência a relevar comportamentos e episódios que derivam de mentalidades arcaicas, ultrapassadas e completamente inaceitáveis. Aqui é preciso fazer uma distinção entre o fato de Bolsonaro estar capitalizando grande parte das intenções de voto e a circunstância de que seu discurso não é contemporâneo dos valores que devem ser buscados. Aliás, para sermos mais verdadeiros, nem discurso Bolsonaro tem, exceto o arremedo de palavras de ordem focadas na pregação da Ordem e de um Estado Forte. Sabemos, por experiências mal sucedidas e bastante dolorosas, no que dá para países como Brasil a apologia do Estado Forte. Significa Cidadania Fraca cidadão bitolado e enquadrado como se fosse recruta sujeito a manuais que são laboriosamente disseminados nos quartéis e que não levam em conta as transformações que a sociedade está enfrentando, no sentido do avanço e na derrogação de políticas e posturas atrasadas até então cultivadas.
Bolsonaro não tem propostas para o país, e se torna favorito exatamente no vácuo da apatia popular em relação ao processo político. A descrença generalizada e justificada com os partidos e políticos tradicionais abre campo fértil para a proliferação de aventureiros de toda sorte, de pregoeiros de falsas bandeiras, de pseudos líderes personalistas que se põem no papel de salvadores da Pátria, embora sequer entendam a profundidade do conceito de Pátria, de territorialidade. Ninguém de sã consciência pode afirmar que conhece ou assimila o pensamento concreto do candidato Jair Bolsonaro em relação à economia e à solução dos graves problemas sociais que têm se arrastado ao longo do tempo devido à incúria e desídia das elites governantes. Bolsonaro tenta se favorecer no vácuo da desesperança que está cristalizada na sociedade. Isto não significa, nem de longe, aceno ou esboço de solução para os nossos dilemas.
Acresce, ainda, que o comportamento pessoal e a linguagem que o candidato Jair Bolsonaro utiliza não são apropriadas nem recomendáveis para um país que tem urgência em se reconciliar na superação dos traumas políticos enfrentados e que conduziram recentemente ao impeachment de uma presidente da República e à prisão de um ex-presidente, líder popular inconteste junto às massas. O tom belicoso de Bolsonaro, herdado das conversas de baixo calão nos bastidores de quartéis ou de pequenos ajuntamentos de rua, agrava, incita os ânimos, cria uma situação permanente de conflito ou de tensão na sociedade. É um discurso que tem forte viés autoritário, que não fica nada a dever a ensaios totalitários que inúmeros países enfrentaram e nos quais se deram mal. Que o deputado-candidato se recupere do malsinado atentado de que foi vítima e que volte o quanto antes à liça. Mas que procure o embate democrático, fundado no argumento, no plano das ideias, não na cantilena odienta que apenas divide o Brasil e esmaga o seu povo.
Nonato Guedes