Qual a melhor frase para simbolizar a independência do Brasil? Independência ou Morte parece a escolha óbvia, inevitável até, para encapsular a determinação e o heroísmo dos fundadores de uma nação. Está lá, no primeiro verso do hino nacional como causa e efeito. O brado retumbante ouvido às margens plácidas do Ipiranga foi responsável por algo notável: o sol da liberdade brilhou no céu da pátria nesse instante. Ou, pelo menos, é o que foi dito mais tarde. A letra do hino é a de um poema publicado em 1909 e oficializada em 1922. Naquele instante, Sete de Setembro de 1822, a repercussão do Grito do Ipiranga foi zero. Nem as margens ouviram, na expressão feliz da historiadora Lúcia Bastos Pereira das Neves, especialista naquele período histórico.
Nos 53 jornais brasileiros em circulação em setembro de 1822 não se encontra menção, ainda que especulativa, à relevância dos acontecimentos às margens plácidas do riacho Ipiranga. A imprensa também não percebeu a existência de um brado retumbante. Só o jornal governista O Espelho, na edição de 20 de setembro, festejou a divisa Independência ou Morte como o grito acorde de todos os brasileiros, sem insistir, contudo, em seu potencial revolucionário. O próprio Dom Pedro demorou para associar o Ipiranga ao Rubicão de seu reinado. Em carta enviada ao pai, o rei de Portugal, a 22 de setembro, o futuro imperador sequer menciona os acontecimentos de duas semanas antes em São Paulo.
A independência do Brasil não estava inteiramente consumada em setembro de 1822. Dependia ainda de negociações políticas. Tropas portuguesas permaneciam no país e havia províncias relutantes em se desligar de Portugal, como o Grã-Pará, que precisaram ser convencidas a tiro de canhão. Não é à toa que a data a ser festejada como marco fundador da nação permanecera em aberto nos três primeiros anos. Poderia ter sido escolhida a aclamação de Dom Pedro como imperador, em 12 de outubro de 1822. Ou sua coroação em 10 de dezembro. O jornal Correio Braziliense propôs a data de primeiro de agosto naquele dia, o príncipe se declarou desobrigado de obedecer às Cortes de Lisboa e determinou que qualquer tropa portuguesa que desembarcasse no Rio de Janeiro sem sua autorização fosse considerada inimiga. E porque não o Dia do Fico, 9 de janeiro, festejado pela população nas ruas como se fora a proclamação da independência?
A proposta de considerar o Sete de Setembro como o aniversário da independência surgiu na Assembleia Constituinte de 1824. A iniciativa era dos constituintes de São Paulo, província cujo governo desejava destacar sua participação na independência. Apesar de a assembleia ter sido dissolvida pelo imperador, o Sete de Setembro entrou no ano seguinte para o calendário das festividades nacionais. O conceito do Grito do Ipiranga havia inflamado a imaginação popular e o imperador viu ali a oportunidade de legitimar seu trono. A visão idealizada do Sete de Setembro é consagrada no quadro que Pedro Américo pintou 60 anos mais tarde. Na vida real, o príncipe montava uma mula baia, animal mais apropriado para as dificuldades da subida da serra do que o garboso cavalo castanho da pintura. Ele não viajava nos trajes de gala saídos da imaginação do pintor. O figurino dos Dragões da Independência, mostrado no quadro e copiado na vestimenta dos soldados nas solenidades em Brasília, ainda estava por ser inventado. A hesitação inicial sobre a data magna e a respeito da divisa que a simboliza contém um ensinamento: a independência do Brasil não se deu em um único dia nem foi conquistada no grito.
Jaime Klintowitz, escritor