Um dos mais sérios incidentes verificados na Era Lula deu-se a partir de maio de 2004 em virtude de reportagem assinada pelo jornalista Larry Rohter, correspondente do prestigioso jornal americano New York Times insinuando que um suposto gosto do dirigente brasileiro pela bebida havia se tornado preocupação nacional. O Palácio do Planalto acabou entrando numa enrascada e, para sair da crise, produziu a versão de que a direção do jornal pedira desculpas pela matéria e, em razão disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltara atrás na decisão de expulsar o jornalista. O New York Times não confirmou essa versão.
O texto da matéria de Rohter tinha este lead: – Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu seu gosto por um copo de cerveja, uma dose de uísque ou, até melhor, um trago de cachaça, a forte bebida brasileira feita de cana-de-açúcar. Mas alguns dos seus companheiros começaram a especular se a predileção do presidente por bebidas fortes estaria afetando seu desempenho no cargo. Nos últimos meses, o governo de viés de esquerda de Lula tem sido assaltado por sucessivas crises que vão de um escândalo de corrupção até o fracasso de importantes programas sociais. O presidente tem frequentemente permanecido distante dos olhares do público e deixado seus assessores fazerem a maior parte do trabalho pesado. Isso tem provocado especulações de que seu evidente alheamento e passividade possam de alguma forma estar relacionados ao seu apetite pelo álcool. Mas seus partidários desmentem esses rumores de consumo em excesso.
Larry Rohter adiantou que entre políticos e jornalistas eram frequentes os comentários sobre o consumo de bebidas por Lula mas que poucos se dispunham a expressar em público ou explicitamente tais opiniões. Uma das exceções que o jornalista mencionou foi Leonel Brizola, líder do PDT, de esquerda, que foi companheiro de chapa de Lula na eleição de 1998 e passara a se preocupar, achando que o presidente estava destruindo os neurônios em seu cérebro. Quando fui candidato a vice-presidente na chapa de Lula, ele bebia muito, afirmou Brizola num discurso, quando já era um crítico do governo. Alertei-o para o perigo das bebidas destiladas. Mas ele não prestou atenção e, conforme eu disse, continua bebendo, assinalou Brizola. Numa entrevista no Rio, em meados de abril de 2004, Brizola se estendeu um pouco mais sobre as preocupações manifestadas e às quais, conforme ele, Lula não havia dado atenção. Eu lhe disse: Lula, sou seu amigo e companheiro. Você precisa dar um jeito nisso e controlar essa coisa, lembrou Brizola.
Não, não tem perigo, já está sob controle, foi a resposta de Lula, segundo contou Brizola. Ele resistiu, é resistente, mas tinha esse problema. Se eu bebesse como ele, estaria frito, pontuou mais. Porta-vozes do presidente se recusaram a discutir offtherecord os hábitos do presidente em matéria de bebida, considerando sem base as insinuações. Numa breve mensagem por e-mail, respondendo ao pedido de um comentário sobre o tema, eles descartaram como uma mistura de preconceito, desinformação e má-fé a especulação de que o presidente bebia em excesso. Larry Rohter descreveu Lula na reportagem como um ex-torneiro mecânico que se mostrara homem de fortes apetites e impulsos, o que contribuiria para seu apelo popular. O jornalista Diogo Mainardi, que escrevia coluna na revista Veja e era um crítico do governo e do PT, chegou a fazer um apelo a Lula: Pare de beber em público. Foi, seguramente, um dos momentos mais difíceis enfrentados por Lula no poder, com repercussão danosa igual à do escândalo do mensalão, do qual Lula disse não saber de nada.
Nonato Guedes