Nasci para brigar, não para ser expulso. O trecho é de um dos discursos proferidos em 1984 na tribuna da Câmara Federal por Mário Juruna, o primeiro deputado indígena da história brasileira. Ele ganhou notoriedade quando, como cacique da tribo dos xavantes, nos anos 70, percorria gabinetes da Funai, de ministérios e do Congresso Nacional em Brasília, com um gravador a tira-colo, para registrar as conversas e promessas dos políticos. Sua reivindicação principal consistia na demarcação das terras indígenas e na expulsão de proprietários que, conforme ele, invadiam ilegalmente a reserva, tentando escravizar os nativos. Em 1980, Juruna derrubou um veto do regime militar que proibia sua saída do país e foi a Roterdam, na Holanda, onde discursou no Tribunal Russel de Direitos Humanos. Dois anos mais tarde, elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro, concorrendo pelo PDT de Leonel Brizola. Encaminhou demandas das comunidades indígenas e organizou encontros de repercussão internacional, colocando na ordem do dia a questão indígena brasileira, desprezada pelas elites e pelos governantes durante décadas.
Do saldo de sua atuação pela Câmara restou a criação da Comissão Permanente do Índio, além da organização de um encontro de lideranças de povos indígenas. Juruna viveu até os 17 anos isolado do mundo externo, até que foi eleito cacique da aldeia de Namujá, em Barra do Garças, no Mato Grosso. Tentou, inutilmente, reeleger-se à Câmara Federal em outras três legislaturas. A sua derrota era o sinal de que o fenômeno tratado como exótico por setores da mídia havia perdido o brilho ou a fama. Juruna passou os últimos dias de sua vida em Guará, cidade satélite do Distrito Federal. Morreu aos 58 anos, de diabetes, deixando dez filhos e uma aldeia de netos, na definição de uma filha sua. A morte ocorreu no dia 17 de julho de 2002- Mário Juruna tinha 59 anos e seu corpo foi velado no Salão Nobre da Câmara Federal.
Entre as amizades que Juruna fez em Brasília, uma delas se deu com o deputado federal paraibano Raymundo YasbeckAsfora, do PMDB, que o trouxe à Paraíba, principalmente a Campina Grande, apresentando-o a colegas políticos e a jornalistas. Juruna tratava Asfora como Amunda e deu entrevistas falando sobre sua temática predileta a causa indígena. Asfora morreu em 1987, poucos dias antes de tomar posse como vice-governador da Paraíba junto com o governador Tarcísio Burity seu corpo foi encontrado com marcas de disparos, na granja Uirapuru, nos arredores de Campina Grande, persistindo ainda hoje a controvérsia sobre se foi suicídio ou assassinato. Natural do Ceará, Raymundo Asfora era um tribuno talentoso, cuja retórica impressionou personalidades brasileiras e do exterior. Ele foi deputado estadual e deputado federal e era amigo íntimo do ex-governador e poeta Ronaldo Cunha Lima, com quem dividia momentos de boemia em Campina Grande.
A luta de Juruna para chamar a atenção para a causa indígena não foi em vão ainda agora, na disputa pela presidência da República, em eleições marcadas para outubro, a índia Sônia Guajajara concorre como candidata a vice na chapa encabeçada por Guilherme Boulos, líder sindical do MTST (Movimento dos Trabalhadores sem teto), ambos filiados ao PSOL Partido do Socialismo e Liberdade. No livro O Congresso em Meio Século Depoimento ao jornalista Tarcísio Holanda, Paulo Affonso Martins de Oliveira, que por 42 anos foi funcionário da Câmara, 23 dos quais como Secretário-Geral da Mesa, narra que numa das gestões do deputado cearense Flávio Marcílio como presidente da Casa o deputado Mário Juruna pronunciou discurso da tribuna considerado ofensivo às Forças Armadas e aos ministros de Estado, aos quais chamou de ladrões. Cada um dos ministros civis e militares do governo Figueiredo formulou representação ao presidente da Casa solicitando a cassação do mandato do deputado-cacique por ofensa ao decoro parlamentar.
Já sopravam os ventos da abertura democrática, mas mesmo assim cumpriu-se processo tortuoso e difícil. Paulo Affonso foi aconselhado por Marcílio a escrever uma carta de retratação do cacique-deputado para encerrar o assunto. Depois de muita resistência e negociação, Juruna subscreveu o documento em que afirma que suas palavras de forma alguma visaram a atingir a honorabilidade de quaisquer ministros de Estado e muito menos do presidente da República. A expressão apontada como insultuosa caracterizava, apenas, a tomada de terras do índio pelo branco, justificou Juruna. A Mesa da Câmara, reunida em 4 de outubro de 1983, aplicou pena de censura escrita ao deputado-índio em razão da linguagem usada, considerada imprópria, descortês e ofensiva às autoridades constituídas da República.
Nonato Guedes