Embora não haja conexão direta e nem de longe ocorra semelhança entre os casos, a concessão de anistia ao senador Humberto Lucena (PMDB-PB) por parte do Congresso Nacional em 1995, a qual teve sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso, está sendo citada em áreas políticas e até jurídicas como precedente que pode fundamentar a concessão de indulto ou anistia ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba, na sede da Polícia Federal. Humberto, já falecido, foi acusado de usar verba da gráfica do Senado para a confecção de material eleitoral distribuído a correligionários paraibanos na campanha de 94. Lucena acabou tendo o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, restabelecido por meio de lei aprovada pelas duas Casas do Congresso e chancelada por FHC.
Originalmente a polêmica começou na Paraíba, quando adversários políticos de Humberto provocaram o Tribunal Regional Eleitoral mediante denúncia de que o parlamentar peemedebista teria infringido Resolução da Justiça Eleitoral ao imprimir calendários de Boas Festas e Feliz ano Novo, com verba pública no caso, as cotas que a Gráfica do Senado franqueava aos seus integrantes. O falecido senador Antônio Mariz pronunciou um discurso indignado em defesa de Humberto na tribuna do Senado e chamou o TSE de retrato da decadência moral das elites brasileiras, ao mesmo tempo em que disse ser hipócrita a punição, já que outros políticos de expressão, incluindo ele, Mário Covas e outros, haviam feito uso do expediente, que era corriqueiro no Parlamento.
Em depoimento que ofereceu para livro de memórias do Senado em homenagem a Humberto Lucena, o ex-senador paraibano Efraim Morais, que presidiu o extinto PFL, hoje Democratas e era adversário político do peemedebista, foi contundente ao afirmar que não havia, como os fatos demonstraram à exaustão, o mais remoto fundamento jurídico na punição que foi imposta. Efraim lembrou que o calendário, além de não ser material específico de campanha, pois era editado anualmente, houvesse ou não eleição, fora impresso e distribuído antes do período eleitoral seis meses, e antes da referida resolução do TSE ser publicada. Fora impresso em novembro e distribuído em dezembro de 1993 e janeiro de 1994, enquanto a Resolução do TSE era de março de 1994.
Lucena, apesar de todos os protestos do meio político e jurídico, teve a candidatura impugnada pelo TSE depois de ser eleito senador. Com a cassação do mandato, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que, sob o argumento de que não havia flagrante agressão à norma constitucional, não examinou o mérito do seu recurso, atendo-se à formalidade. O meio político, no entanto, tinha a clara percepção de que Humberto estava sendo vítima de grave injustiça, daí o ambiente de consenso que se formou em favor da sua anistia. O Legislativo sentia-se afrontado por uma ação invasiva da Justiça Eleitoral (…) Fui adversário regional de Humberto Lucena, o que não impediu que desfrutássemos de convívio fraternal e respeitoso. Por isso mesmo, posso dizer que ele é um grande homem público que honrou a Paraíba e o Brasil, declarou Efraim Morais.
Um dos batalhadores pela concessão da anistia a Humberto foi o então deputado José Sarney Filho, mas houve manifestações de solidariedade, inúmeras, de políticos de diferentes partidos. O senador Humberto Lucena não merece fazer esse papel de bode expiatório, resumiu o então deputado federal Ivan Burity. Quanto ao uso do episódio como referência para a anistia a Lula, não há consenso nos variados círculos. É que Lula está preso, inelegível, foi condenado a doze anos de prisão e um mês e responde a processos por lavagem de dinheiro e favorecimento por meio de propinas. O candidato-substituto dele ao Planalto, Fernando Haddad, chegou a acenar com indulto ou anistia a Lula da Silva, mas foi advertido por vozes autorizadas de que só a Justiça pode mandar prender e soltar no país, o que levou a recuar da tese.
Nonato Guedes