Primorosa a definição aplicada pelo colunista Leonardo Sakamoto, da Folha-UOL, às declarações do candidato a presidente da República Jair Bolsonaro de que não aceitará outro resultado das eleições de outubro que não seja a sua vitória. Para Sakamoto, Bolsonaro colocou a democracia no pau-de-arara instrumento de suplício e tortura praticado por agentes da repressão nos porões da ditadura militar que foi instaurada em 1964 e concluída em 1985. A fala de Bolsonaro contribuiu para tirar a máscara de um postulante que apregoa respeitar a lei e a ordem, mas, que na verdade, assume postura golpista, de desrespeito às instituições democráticas.
A rigor, com a extemporânea ameaça formulada, Bolsonaro sinaliza que não aceita as regras de um jogo do qual participa. Seria o caso de pedir para sair, já que demonstra querer ganhar a todo custo confiado nas baionetas que, por certo, no momento, estão caladas. O candidato do PSL confunde urna com caserna ou quartel tem sido assim desde que se lançou candidato à presidência da República. Não haveria nada demais se Bolsonaro externasse apenas a desconfiança quanto à segurança das urnas eletrônicas isto é da natureza de candidatos paranoicos que se julgam talhados exclusivamente para ganhar e que nunca foram treinados para perder. Mas ele foi mais além, acenando com a hipótese de uma intervenção da farda. Ora, o jogo que está sendo jogado é outro. A ditadura militar é uma excrescência varrida do imaginário de segmentos formadores de opinião pública no Brasil. Apenas seduz saudosistas empedernidos como Bolsonaro e eleitores desinformados que não sabem o que foi a longa noite das trevas que se abateu sobre o Brasil desde que se concretizou o putsch de 64.
Bolsonaro brinca com fogo, mas a reconquista da democracia significou um preço muito alto para ser jogada fora pelo primeiro oportunista de ocasião. Ela custou sangue, suor e lágrimas, para usarmos a paródia de Churchill sobre o estoicismo da Grã-Bretanha no concerto dos conflitos geopolíticos e da tensão artificial entre potências. Em 1978, na Bahia, a polícia militar do governador biônico foi instruída para impedir uma reunião política convocada para lançamento de candidaturas da oposição ao Senado. Em frente ao teatro Castro Alves, políticos liderados pelo doutor Ulysses Guimarães deflagraram a resistência cívica contra a arbitrariedade. A praça, conforme registrou em livro o jornalista Sebastião Nery, era um campo de batalha: 500 homens de fuzil com baioneta calada, 28 caminhões-transportes, dezenas de patrulhas, lança-chamas e grossas cordas amarradas nos coqueiros em torno do logradouro. Ulysses avançou rápido, sem titubear, seguido por Tancredo Neves, Freitas Nobre, Saturnino Braga e jornalistas. Um oficial berrou: Parem, ao que Ulysses retrucou: Respeitem o presidente da Oposição. Meteu a mão no cano de um fuzil, jogou para o lado, atravessou. Tancredo meteu o braço em outro, passou. Três imensos cães negros saltam sobre Ulysses. Freitas Nobre dá um pontapé na boca de um. A comitiva entra aos tombos no recinto. Ulysses sobe à janela, liga os alto-falantes para a praça. E dispara: Soldados da minha pátria, baioneta não é voto, cachorro não é urna.
Pena que em face de golpistas recalcitrantes como Bolsonaro, não tenhamos Ulysses Guimarães para comandar batalhas de Itararé como a da Bahia!
Nonato Guedes