O hoje senador Cássio Cunha Lima (PSDB) tinha 23 de anos de idade quando fez sua estreia na Câmara Federal, em 1987, no papel de constituinte, incumbido de participar da elaboração da Constituição-Cidadã que deu à luz em 1988 e que está completando 30 anos. Cássio subiu à tribuna para falar da preocupação de um jovem que, às vésperas do século XX, via seu país discutindo a ordem jurídica enquanto outros países já haviam ingressado na era da cibernética, da guerra nas estrelas. Filho do ex-governador Ronaldo Cunha Lima, que foi cassado pelo regime militar de 64, Cássio estranhava que o Brasil sofresse tantos processos de interrupção democrática. Aqui as rupturas político-sociais são seguidas, os vácuos históricos são permanentes, verberava ele, indignado, na tribuna.
A estreia de Cássio na tribuna, em nove de fevereiro de 87, ganhou amplo destaque na imprensa nacional e despertou aplausos de políticos experientes como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Na avaliação do Diap Departamento intersindical de Apoio Parlamentar, Cássio teve nota 7,0 no segundo turno da Constituinte e média final de 6,5. Era descrito pelo Diap como parlamentar atuante, filiado ao PMDB e que teve uma votação consagradora, a segunda maior para deputado federal, no seu Estado. Ele votou a favor do parlamentarismo, disse não aos cinco anos de mandato para Sarney. Nacionalista, votou a favor da proteção da empresa nacional, da nacionalização do subsolo e disse sim ao direito de voto aos 16 anos. Apoiou o direito de sindicalização do servidor público e, igualmente, manifestou-se favorável à reforma agrária. Cássio tentou, nas eleições deste ano, a reeleição para senador, mas não logrou êxito, ficando em quarto lugar no resultado final. Figuras do meio político e até artístico-intelectual lamentaram a derrota de Cássio, qualificando-o como um quadro promissor na realidade política brasileira.
No dia 17 de fevereiro de 1987, Cássio fez um discurso específico sobre a Constituinte, do ponto de vista das observações que estava colhendo como neófito na atividade política. Afirmou: Tenho ouvido muito e observado outro tanto. A observação atenta e curiosa de quem passou quase que a totalidade de sua vida convivendo com a repressão. Cresci sob o estigma do AI-5. Testemunhei o mandato do meu pai, outorgado pelo povo nas urnas, ser cassado para atender a mesquinhos interesses. Vi um povo calado. E em tais circunstâncias também calei. Mas hoje vejo o limiar de um novo tempo e não posso mais calar-me. Assisto aos discursos proferidos desta tribuna, alguns com temas da mais alta importância nacional, servirem apenas para divulgação em A Voz do Brasil. A palavra sem ressonância não possui valor nenhum. De que adiantam os discursos oriundos de um poder inexistente? O Estado democrático sem um parlamento forte não resiste a períodos de crise, e vivemos uma profunda crise.
Cássio propunha uma mobilização para fortalecimento do Poder Legislativo. A restauração das prerrogativas do Congresso é o único caminho para a desobstrução dos canais de discussão política. A crise política que estamos vivendo, além de remédios técnicos, está a exigir uma postura política que permite a transferência das soluções a serem adotadas. E só através da discussão ampla, democrática, com a participação popular, na elaboração do texto da nova Constituição, é que teremos as condições primeiras para honrar nossos compromissos perante nosso povo, sublinhou o jovem parlamentar, concluindo: A Nação espera que tenhamos sensibilidade para lançar as bases de um novo pacto político duradouro, que tire o destino do povo dos corredores e gabinetes palacianos, levando-os para as mesas de consulta e diálogo com a sociedade, através das instituições representativas. E se não houver as mudanças reclamadas aqui, desta tribuna, continuaremos sem ser ouvidos, pois contamos apenas com A Voz do Brasil quando deveríamos ser efetivamente porta-vozes da nossa Nação.
Nonato Guedes