O líder petista Luiz Inácio Lula da Silva cumpria seu primeiro mandato, ainda em lua de mel com a sociedade, quando foi alvejado por denúncias da ocorrência do mensalão, uma espécie de mesada paga a parlamentares do PT e de outros partidos da base aliada oficial em troca da aprovação de matérias do Executivo no plenário do Congresso. A denúncia em primeira mão foi feita por Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, que chegou a mencionar que cada parlamentar recebia R$ 30 mil em troca de apoio político. Jefferson era deputado federal e fazia questão de afirmar que não tinha a preocupação de manter o mandato. Só não vou sair disso como um canalha, porque não sou.
Os deputados Miro Teixeira (RJ) e Ciro Gomes (CE) confirmaram o relato de Jefferson de que Lula teria sido avisado mas não deu importância por achar que se tratava de boataria. José Genoíno e outros expoentes do PT diziam desconhecer o mensalão. Aldo Rebello, por sua vez, declarou que Lula sabia do caso desde março de 2005 mas que as acusações não envolviam o governo. Líderes do PSDB, estranhamente, adotaram a estratégia de não radicalizar no ataque a Lula as versões, na imprensa, davam conta de que a tática dos tucanos era a de deixar Lula sangrar, oque inviabilizaria sua credibilidade. Lula mudou o tom gradativamente, à medida que a repercussão do escândalo se espalhava. Chegou a dizer, no exterior, que, se necessário,cortaria na própria carne. E prometeu que iria levar as investigações até as últimas consequências. No Congresso foi instalada uma CPMI para apurar registros de corrupção por parte da cúpula dos Correios e Telégrafos. Jefferson voltou à carga numa entrevista à Folha de São Paulo, em que dava mais detalhes sobre o funcionamento do mensalão, implicando o então tesoureiro Delúbio Soares e o publicitário mineiro Marcos Valério.
Um momento alto no enredo do escândalo foi o depoimento de Jefferson no Conselho de Ética da Câmara, onde deu nomes aos bois, colocando no centro do esquema o então ministro José Dirceu. Ficou célebre o conselho dado por Jefferson, em rede nacional, ao vivo, a Dirceu: Se você não sair daí rápido, vai fazer réu um homem inocente, que é o presidente Lula. E concluiu em tom dramático: Rápido, sai daí rápido, Zé. Contou, também, que quando o escândalo veio a público, cessou o pagamento da mesada. As coisas pararam aqui nesta Casa. Os passarinhos estão todos de biquinho calado. É síndrome de abstinência, ironizou o dirigente do PTB. Dirceu foi obrigado a deixar a chefia da Casa Civil. O governo ficou paralisado o mensalão era o grande assunto nacional, com destaque na mídia do exterior. O presidente da República fez um pronunciamento oficial em cadeia de rádio e televisão, no qual alegou que a corrupção era uma grande vergonha para o povo brasileiro, mas garantiu que se intensificara, por parte do governo, o combate à corrupção.
O escândalo do mensalão se instalara no Planalto, sem qualquer intenção de partir. Fernando Henrique Cardoso, em nome do PSDB, descartou a hipótese de mobilização pelo impeachment de Lula. Este procurou outra forma de descaracterizar a orquestração contra o PT, encampando a tese de Delúbio de que os recursos eram provenientes de contas não registradas pelo partido, considerando isto uma prática normal, comum a todos os partidos, mais conhecida como caixa dois. Posteriormente, em reunião com o ministério, Lula desabafou que se sentia traído e indignado e sugeriu que o PT pedisse desculpas ao povo. No final das contas, Jefferson, Dirceu e outros parlamentares tiveram mandatos cassados ou renunciaram para evitar cassação. O PT superou a difícil travessia e Lula obteve a reeleição no pleito de 2006. O julgamento da Ação Penal 470 versando sobre o mensalão consumiu longos debates entre ministros do Supremo Tribunal Federal e resultou na aplicação de penas para figuras ilustres do PT, empresários, publicitários e outros operadores atuantes no tráfico de influência. No dizer do ministro Carlos Ayres Britto, o mensalão constituiu-se em ponto fora da curva na história política-cultural do Brasil.
Nonato Guedes