Nunca se viu na história deste país uma disputa política que deixasse tanta gente à beira de um ataque de nervos, afirma o colunista José Roberto Guzzo em seu artigo na revista Veja, aludindo a brigas familiares provocadas pela disputa presidencial entre Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL. Para Guzzo, há um surto de neurastenia desesperado e as brigas hoje emigraram com mala e cuia para o meio dos eleitores. Revela que esse cenário não ocorreu, por exemplo, nas eleições de Getúlio Vargas em 1950, Juscelino Kubitscheck em 1955 ou Jânio Quadros em 1960.
– Depois disso acrescenta o colunista houve sete eleições seguidas para presidente a que elegeu Fernando Collor de Mello, as duas de Fernando Henrique Cardoso, mais as duas de Luiz Inácio Lula da Silva e, enfim, as duas de Dilma Rousseff. Saiu muita faísca, é claro, houve muito bate-boca e xingatório e muita mãe acabou sendo posta no meio, mas em geral foi mais britaria de torcida do que briga com fuzil AK-47 no alto do morro. Nem Dilma foi capaz de gerar a ira radioativa que explode agora do Oiapoque ao Chuí por causa de Bolsonaro e Haddad e olhem que Dilma não é fácil, em matéria de despertar os instintos mais primitivos do eleitorado, como poderia dizer o ex-deputado Roberto Jefferson. E antes disso, em momentos remotos da nossa história política, será que não teria havido alguma campanha tão enfurecida quanto a atual? Antes disso, para falar a verdade, não havia eleições que pudessem ser realmente chamadas de eleições; o New York Times ou o Le Monde de hoje jamais aceitariam, por exemplo, a eleição de um Campos Salles ou a de um Washington Luís. Mais atrás, no tempo, então, já se começa a falar no Regente Feijó ou em José Bonifácio, e aí é que ninguém sabe mesmo de absolutamente nada.
A atmosfera belicosa reinante no país não passou desapercebida aos redatores de humor do site Sensacionalista, também publicado por Veja, que sapecaram esse título irônico em uma matéria: Ceia de Natal deste ano terá mediadores, afirma TSE. No texto, os humoristas escreveram: As eleições gerais de 2018 ainda não estão decididas, mas uma coisa é certa: o Natal em família não será como no ano que passou. A polarização política nos grupos de WhatssApp abalou o peru, a farofa e o pavê (ou pacumê) de fim de ano. Para que a faca elétrica não sirva para fatiar os entes queridos, o Tribunal Superior Eleitoral estará destacando um time de mediadores experientes (inclusive na segurança de eventos) para passar o Natal com as famílias brasileiras em que o grau de periculosidade é maior. Para uma delas, da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, os mediadores levarão algemas e focinheiras, que deverão ser retiradas apenas para a mastigação na hora da ceia. Em outra, no Itaim, em São Paulo, haverá um muro dividindo a mesa em duas partes, com arame farpado e cacos de vidro em cima. Faremos tudo para proteger a família brasileira de si mesma, afirma um dos mediadores.
– O fato é que estamos vivendo acrescenta José Roberto Guzzo momentos sem precedente de nervosia, palavra de uso antigo, mas muito precisa para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impaciência e hostilidade geral que se levanta hoje em dia a cada vez que o cidadão diz que vai votar em Bolsonaro ou em Haddad. Em geral, as brigas de campanha costumam limitar-se aos próprios candidatos. Hoje, emigraram com mala e cuia para o meio de uma boa parte dos eleitores. É entre eles, e não nos palanques ou debates na televisão, que está havendo agora derramamento de sangue mesmo. Não é preciso, para acender a banana de dinamite, gritar Mito! no meio de um ajuntamento petista, ou vir com um Lula Livre! na comissão de frente de um bloco bolsonarista. O desastre, nesta campanha de 2018, pode acontecer no aconchego do próprio lar. Você diz que vai votar num ou no outro e dali a pouco está formado um barraco rancoroso em sua casa, com a súbita troca de ofensas, palavras malvadas e ressurreição de velhos ressentimentos, no que deveria ser um churrasco inofensivo de domingo. Amigos se desentendem feio com velhos amigos. Há brigas de pais com filhos, de irmãos com irmãos, de mulher com marido. Familiares rompem relações, colegas de trabalho viram as costas uns para os outros e se fecham nas próprias trincheiras. Falar de política, em suma, virou um perigo.
Nonato Guedes