Mídia, redes sociais, emissoras de rádio e TV tem sido intenso o bombardeio nos últimos meses despejado sobre a população brasileira como corolário da eleição presidencial encerrada ontem. Não, não foi uma simples eleição. Foi um parto doloroso que operou um corte epistemológico no âmbito da sociedade, que açulou instintos primitivos adormecidos, preconceitos disfarçados, acertos de contas camuflados, ranços e rivalidades encobertos. O pretexto, claro, foi a figura controversa do favorito e, afinal, vitorioso: Jair Messias Bolsonaro, um capitão reformado do Exército tomado de empréstimo como instrumento do populismo político e da radicalização ideológica.
A nível internacional, junto a órgãos de comunicação, a leitura que se faz é a de uma vitória da extrema-direita, um perigoso flerte com o fascismo ou práticas autoritárias já expelidas na cambiante democracia restaurada com o fim do golpe militar ou da longa noite das trevas que se abateu em 1964. A bem da verdade, a radicalização se deu porque além de Bolsonaro estava em cena o nosso velho conhecido Partido dos Trabalhadores, que eclodiu como a mais auspiciosa invenção da política no país e que se destruiu pela negação dos princípios éticos que parecia defender com tanto ardor. O PT que lançou Fernando Haddad contra Bolsonaro estava irreconhecível não só pela estratégia eleitoreira de esconder símbolos ou a identidade do partido, mas pela lembrança da roubalheira, do mensalão, do assalto ao erário, de dinheiro escondido em cuecas, nos esconsos mais inimagináveis possíveis. Pela lembrança de Lula, que depois de canonizado nas ruas do Brasil e nas praças do mundo, protagonizou um ponto fora da curva, colocado no papel de presidiário que responde a processos por corrupção e lavagem de dinheiro.
Haddad, por orientação ou intuição, fez um malabarismo poucas vezes diagnosticado na cena nacional para desfazer elos, vínculos, conexões e, no reverso, para se apresentar como integrante de uma certa banda boa que terá restado das entranhas putrefatas de uma organização partidária que enganou a sociedade brasileira, que levou no bico não apenas eleitores do Nordeste, os beneficiários do Bolsa Família, a bolsa-esmola do petismo, mas intelectuais e artistas intimidados nas suas convicções por fantasmas como o novo fascismo. Desse ponto de vista, mais do que nunca a disputa presidencial no Brasil se tornou, maniqueísticamente, o confronto do Bem ou Mal. Embora, de uma forma ou de outra, as batalhas do PT na crônica política brasileira tenham sido travadas com esse tipo de apelo demagógico e farisaico, o embate entre Haddad e Bolsonaro foi elevado à condição de um Armagedon. Em grande parte, Bolsonaro, com práticas antidemocráticas, contribuiu para o moedor de carne. Mas os formadores de opinião a serviço do PT, voluntária ou involuntariamente, amplificaram as proporções de uma disputa eleitoral. Não havia meio termo na cabeça dos doutrinadores de ocasião. Ou era assim ou assado. E nessa procissão macabra, mini-fascistas ou mini-ditadores até então não percebidos assumiram a carapuça, foram para a guerra do fim do mundo.
Jair Bolsonaro ganhou porque capitalizou o papel do anti-PT. E as eleições deste ano sinalizaram um plebiscito da trajetória do Partido dos Trabalhadores pelo poder que tanto perseguiu. A cúpula do partido, no íntimo, sabia que estava em pauta o seu julgamento pelas práticas erradas, pela maracutaias de que falava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas era preciso mistificar, era urgente, era necessário, criar o adversário imaginário e mil vezes pior, mil vezes demoníaco. Bolsonaro ganhou o figurino do Anti-Cristo, na concepção propagandística de dirigentes ateus do Partido dos Trabalhadores. Deu ele, apesar de toda a batalha campal baseada no #ELENÃO, símbolo nem sempre assimilado por certas parcelas do eleitorado brasileiro. No frigir dos ovos e dos enfrentamentos físicos ou das brigas em família, a votação foi democrática, dentro das regras. Não havia nenhum putsch, nenhum golpe militar. Era no voto que tudo ia se decidir, como se decidiu.
O que vai acontecer agora? Tudo, inclusive nada!
Nonato Guedes