Na campanha eleitoral recém-encerrada para presidente da República, com a vitória de Jair Bolsonaro, rotulado como candidato de extrema-direita, a jornalista Luciana Mariz, radicada em Brasília e filha do ex-governador paraibano Antônio Mariz, já falecido, vestiu a camiseta do candidato derrotado Fernando Haddad, do PT, e produziu libelos nas redes sociais contra uma suposta ameaça à democracia que estaria embutida no entorno da postulação do, afinal, presidente eleito. Haddad foi ungido como candidato pelo ex-presidente Lula da Silva para substituí-lo, já que o antigo líder metalúrgico está preso em Curitiba e teve indeferida uma eventual candidatura este ano, por enquadramento na Lei da Ficha Limpa. Uma curiosidade histórica é que Antônio Mariz e Lula atuaram juntos na Constituinte de 1988 e obtiveram Nota Dez na avaliação do Diap, Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar.
Foi o único mandato parlamentar que Lula exerceu na época, ele tinha 43 anos e o Diap mencionou-o como principal líder operário do país. Lula havia sido o deputado mais votado do Brasil, com quase 700 mil votos. Em sua atuação na Constituinte foi incansável na defesa dos direitos sociais dos trabalhadores. Conforme o boletim do Diap, o deputado petista demonstrou habilidade e revelou-se um competente negociador. Votou a favor da nacionalização das reservas minerais, da reforma agrária e da proteção da empresa nacional. Disse não aos cinco anos de mandato para José Sarney, que se investiu com a morte de Tancredo Neves os dois formaram a chapa da Aliança Democrática que, no Colégio Eleitoral, derrotou Paulo Maluf, do PDS.
Embora não haja registro de ligação mais estreita entre Mariz e Lula, é certo que havia respeito e admiração entre os dois Constituintes Nota Dez. Nos bastidores, aqui na Paraíba, houve ensaio de articulações para aliança entre petistas e marizistas, mas o PT estava se formando no país e era inflexível na política de alianças e na absorção de candidaturas de políticos já atuantes no cenário nacional. Mariz era oriundo da Arena, criado para dar sustentação ao regime militar, mas criou o Grupo Renovador para incitar o partido à contestação e propôs uma Corte Internacional de Direitos Humanos. O PT, contudo, dava prioridade a quadros novos sem vínculos com estruturas políticas remanescentes. Quem investiu concretamente numa aproximação com o PT paraibano foi Marcondes Gadelha, atual deputado federal pelo PSC, que enfrentava uma situação de mar de sargaço, já que era adversário paroquial de Mariz e ficou em posição incômoda quando este foi aceito pelo então PMDB, inclusive, como candidato a governador em 82 (foi derrotado por Wilson Braga, do PDS). Marcondes fez caminho inverso ao de Mariz enquanto este rompeu com a Arena-PDS e ingressou no PMDB, que comandou a resistência parlamentar à ditadura, Gadelha ingressou no PDS levado pelas mãos do general João Baptista Figueiredo. Sua filiação ao PT foi recusada pelos dirigentes paraibanos sob alegação de que Gadelha era burguês e nunca vestira um macacão de operário.
De uma forma ou de outra, os caminhos políticos de Mariz, Marcondes e Lula cruzaram-se por vias oblíquas ou fados do destino. Na realidade política provinciana, Mariz e Gadelha se reconciliaram quando o primeiro se elegeu governador em 94 e convidou o ex-êmulo ou adversário para secretaria de Estado, num gesto incomum de grandeza. Gadelha retribuiu com um depoimento marcante sobre Mariz por ocasião da sua morte em 95. Comentando posturas mais progressistas tomadas por Mariz nos tempos de adversidade, Gadelha cravou: Mariz não sentava nas mesas dos bares; deitava diretamente sobre os trilhos da Central do Brasil para fazer parar o trem ou, eventualmente, mudar o curso da História. A política, como se vê, além de dinâmica, comporta atitudes nobres, de grandeza entre os homens de boa vontade.
Nonato Guedes