Nestes tempos de cólera política no Brasil assiste-se a um episódio singular: a outrora poderosa TV Globo, cuja audiência inercial tornou-a temida por governantes de plantão, praticamente está a mendigar uma entrevista do presidente eleito Jair Bolsonaro, que por razões estratégicas prefere privilegiar a TV Record e, de forma massificada, as redes sociais, decisivas na sua vitória durante a campanha contra o PT. A apropriação das redes sociais por um governante é fato novo na conjuntura nacional, contemporâneo da importância que essas redes passaram a ter e que já custaram o fechamento de prestigiosos canais impressos de comunicação, tanto no Brasil como em outros países, formando uma espécie de mídia alternativa ao império decadente de ex-barões do jornalismo.
A Globo queria exclusividade nas informações do novo governo, que é calculadamente surpreendente (vide a nomeação de superministros como Sérgio Moro e Paulo Guedes). Vinha sendo praxe, no fim das eleições presidenciais brasileiras, que o ungido pelo povo, uma vez proclamados os resultados, cumprisse o ritual do beija-mão à Vênus Platinada, marcando presença nos estúdios da Globo para se comunicar com a sociedade e dirigir mensagens de cumplicidade aos que o elegeram. Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do zangado PT, escapou do rapapé, embora tivesse feito beicinho para valorizar sua importância acima de uma estação de TV. Pois Bolsonaro destoou desse script e ainda hoje, embora residindo na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, não se dignou a pisar os pés no território da Globo. Neste feriadão mandou-se para uma reserva da Marinha, aonde só se chega de barco.
É um detalhe que a furiosa esquerda no Brasil não percebeu ou não dimensionou a quebra, por Bolsonaro, do monopólio da Globo, que se jactava de fazer presidentes da República quando a moeda corrente passou a ser o voto, um truísmo que era aceito por ser inofensivo mesmo, já que havia sinais de perda de nacos de espaço e audiência por parte da Globo, não obstante ela ser, ainda, a emissora de maior alcance em horários esparsos ou em grandes ocasiões. Foi preciso que um político de extrema-direita começasse a enquadrar a Globo, já que petistas como Lula e Dilma Rousseff acabaram se rendendo aos holofotes globais. Lula defendeu abertamente a chamada regulação da mídia, símbolo de censura institucionalizada, mas enquanto o PT avançava nas propostas para tanto o presidente deixava-se seduzir pela adulação dos executivos da Globo e pelo assédio ostensivo do apresentador do Jornal Nacional William Bonner. Bolsonaro chegou chegando, como dizem os programas humorísticos.
A esquerda fica mais condoída com as ameaças de Bolsonaro de retaliação à Folha de São Paulo, que sempre foi considerada um nicho das ideias progressistas e um estandarte de resistência contra atitudes fascistas de governantes, embora os Frias, donos do jornal, sempre atuaram nos bastidores governamentais em defesa dos seus interesses no mais lucrativo comércio de frangos, cuja cotação é regularmente estampada nas páginas do mais liberal veículo de comunicação. A retaliação de Bolsonaro seria econômica, negando publicidade estatal generosa à Folha. Nos governos de Lula e Dilma, a revista CartaCapital, de Mino Carta, fartou-se de injeções do erário. Hoje anuncia estar alistada na resistência a Bolsonaro, que nem sequer assumiu. Um dos males do Brasil continua sendo a burrice ideológica, sobretudo quando originária da esquerda, que se julga intelectualmente superior mas não dispensa um incentivo estatal. Que o diga o grupo Procure Saber, criado pela empresária Paula Lavigne, mulher do cantor e compositor Caetano Veloso, idolatrado em outras épocas por cantar É proibido proibir.
Nonato Guedes