O quiproquó entre o presidente eleito Jair Bolsonaro e a TV Cabo Globo, com a resistência do sucessor de Temer em privilegiar a Vênus Platinada em entrevistas e informações, me faz lembrar, de passagem, o desaguisado que se criou na Paraíba quando Tarcísio Burity foi eleito pelo voto ao governo, em 86, passando a ocupar o Executivo pela segunda vez. Burity desdenhou da audiência da TV Cabo Branco, ainda hoje líder e afiliada da Globo no Estado. Na campanha de 86, aprofundei linha direta com o então candidato do PMDB, que chegou a me convidar para a Comunicação no segundo mandato, tendo eu ponderado que minha prioridade era dedicar-me à TV Cabo Branco, onde realizava entrevistas e comentários, e à imprensa escrita, onde atuava como colunista.
Aluízio Moura, já falecido, estava à frente da Cabo Branco que Burity via com desconfiança por ter entre os dirigentes quotistas o então senador Marcondes Gadelha, que acabou sendo candidato contra Burity, e o ex-senador Milton Cabral, que exercia o governo do Estado sucedendo a Wilson Braga e a José Carlos da Silva Júnior. Milton era representado na Cabo Branco pelo irmão Antônio Cabral Sobrinho, que durante muito tempo pontificou na sociedade e na mídia com o hotel Tropicana, disputado ponto de encontro de personalidades políticas e do poder. Vitorioso por quase 300 mil votos sobre Marcondes Gadelha, Burity deflagrou a transição para o novo governo que iria empalmar, montando escritório de trabalho na Cocepa, onde recebia técnicos, jornalistas, secretariáveis e aspirantes a uma boquinha no governo. Não se furtava a falar nos microfones da Cabo Branco desde que em entrevistas coletivas onde havia uma floresta de microfones de diferentes emissoras.
Já empossado, insinuou a auxiliares do primeiro escalão que evitassem dar entrevistas à afiliada da Globo e ele próprio continuava esquivando-se de abrir contato com jornalistas e proprietários da estação. Fui pressionado por Aluízio Moura a persuadir Burity a acabar com a retaliação e a estabelecer uma relação institucional com a TV Cabo Branco. Em conversa com Burity, sugeri-lhe a estratégia de liberar secretários já escolhidos para concederem entrevistas. Elas não custariam nada ao erário e ele ganhava espaços para começar a massificar os contornos do seu novo governo. Fui atendido. Com o sinal verde de Burity, o primeiro a ir aos estúdios da Cabo Branco foi Geraldo Medeiros, que a mídia apelara de Super G, pelos poderes extraordinários na área econômica que iria acumular. Depois, foi outro Super G, Geraldo Navarro, cunhado de Burity e nomeado para a Segurança. Outros secretários bateram ponto na TV, entre os quais o saudoso Severino Ramos, que optou por ocupar a pasta da Cultura.
Concluído o desfile de secretários, era hora da onça beber água. Aluízio encarregou-me de levar o próprio governador Tarcísio Burity aos estúdios. Tive uma negociação difícil com o governador no Palácio, em seu gabinete. Até que, sem mais argumento, perguntei-lhe: O senhor acha que dá para ignorar a Globo?. Burity pensou, anuiu. Você tem razão, não dá para ignorar a Globo. E foi, mas, antes, impôs uma condição, por telefone, a Aluízio: queria para si os três blocos de dez minutos do Bom dia, Paraíba, cujas entrevistas eu mediava com Otinaldo Lourenço. Resposta de Moura: Lamento ter apenas três blocos, governador, para lhe colocar à disposição… Burity foi, acabou se reconciliando com a cúpula. Hoje, com as redes sociais influenciando cabeças, talvez fosse o caso de ignorar a Globo, ou talvez não. Na época, com certeza, não dava para fazer isso.
Nonato Guedes