O juramento antecipado que o capitão reformado e presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tem feito, na linha do respeito intransigente à Constituição, como tática para dissipar especulações e temores de que possa suprimir liberdades democráticas, traz à tona a obsessão do general Eurico Gaspar Dutra pela obediência à Carta Magna. Dutra foi o vitorioso nas eleições gerais de 1945, concorrendo pelo PSD, com o apoio do PTB, derrotando o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN. Chamado de Catedrático do Silêncio, Dutra foi eleito na campanha presidencial mais democrática da história do Brasil, com o país ainda ressacado pela ditadura do Estado Novo implantada por Getúlio Vargas. O Partido Comunista chegou a participar do pleito, embora dois anos depois tenha sido posto na ilegalidade.
Dizia-se que Dutra não se separava de um pequeno livro de capa vermelha, que era a Constituição que jurara cumprir. Cumpriu seu juramento e, nas palavras do historiador Hélio Silva, seu governo pode ter como legenda exatamente isto: um presidente que cumpriu a Lei Maior. Bolsonaro, na primeira visita que que fez a Brasília, ontem, como presidente eleito, disse que na topografia existem três nortes, mas na democracia só há um norte: o da Constituição. Ele participou, com autoridades, de uma cerimônia pelos 30 anos da promulgação da Constituição. A Folhapress informa que o gesto de Bolsonaro não foi suficiente para blindá-lo de cobranças por seu histórico de declarações politicamente incorretas. A Procuradora-Geral Raquel Dodge advertiu que não basta reverenciar a Constituição; é preciso cumpri-la. De pé, na tribuna, Dodge deu vários recados a Bolsonaro ao defender as minorias, o meio ambiente e a liberdade de imprensa, temas que provocaram atritos na campanha.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, disse acreditar que o capitão reformado cumprirá a Constituição, e foi aplaudido por ele, aparentemente deixando para trás a insólita manifestação de um dos filhos de Bolsonaro de que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal. O presidente eleito esquivou-se de olhar para Raquel Dodge e de aplaudi-la quando da sua profissão de fé em relação à Carta Magna do país. A propósito do general Dutra, historiadores convergem na opinião de que não era um candidato popular. Até mesmo seu feitio pessoal, embora afável no trato, não favorecia uma propaganda eleitoral. Tinha a tradição de um homem do Exército, que sempre prestigiara o poder constituído. Ainda assim, venceu nas urnas o brigadeiro Eduardo Gomes, aparentemente um candidato carismático. A 31 de dezembro de 1946, Dutra assumiu a presidência da República. Dutra foi o único presidente da República que consentiu na redução por um ano do seu mandato, diferentemente de José Sarney, que fez lobby ostensivo para abocanhar mais um ano de governo, por ocasião da Constituinte de 1988, no que acabou sendo atendido.
Seja como for, o general Dutra entrou para a História como o guardião da Constituição e entrou para o folclore o seu apego ao que chamava de livrinho, a Constituição. No governo de Dutra, e em nome da moralidade, foram fechados os célebres cassinos, que marcaram por tanto tempo a vida noturna nacional. Com eles foi também proibida toda sorte de jogo de azar. Dutra morava com a família no Palácio Guanabara. Levava uma vida simples, sem ostentações nem luxos. Apesar da economia de palavras, era cordial, afável e pessoa humana das mais simpáticas. Essas qualidades, ao final da vida, lhe proporcionaram o carinho das crianças e a fama de Melhor Ex-Presidente do Brasil. Certa vez, muitos anos depois da presidência, foi procurado por Luiz Carlos Sarmento, de O Jornal, para entrevista. O ex-presidente fez, então, piada com sua afamada economia de palavras. Trouxeram saca-rolha? Para me entrevistar é preciso saca-rolha, pois do contrário não sai nada. Fotografia, pode. Sempre apreciei muito as cenas mudas.. E justificou a constância do seu silêncio declarando: As palavras não foram feitas para serem gastas”.
Nonato Guedes