Praticamente coincidindo com o isolamento político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quase ninguém mais se motiva a ir visitá-lo na cela da PF em Curitiba e com mais um interrogatório a que ele se submete hoje, desta feita sobre a aquisição do sítio em Atibaia, interior paulista, numa operação triangular com a participação da Odebrecht, disputa-se no seio da oposição ao presidente eleito Jair Bolsonaro a posse da hegemonia pelo anti-governismo a partir de janeiro. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, admitiu que embora tenha méritos para tanto o Partido dos Trabalhadores não está lutando pelo monopólio oposicionista e sugere que se houver convergência entre adversários do presidente eleito, que isto se dê no âmbito do Congresso, durante as votações de matérias polêmicas.
Suspeita-se que o governo Bolsonaro, através do presidente e da equipe já amplamente constituída, tencione legar ou impor ao País uma agenda conservadora, retrógrada e ameaçadora do ponto de vista de fulminar conquistas sociais relevantes já alcançadas a duras penas, penalizando, sobretudo, trabalhadores na questão de direitos pelos quais se empenharam. Aos partidos de oposição caberia derrogar essas propostas no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, buscando lastro na sociedade para abater sinais de retrocesso que porventura venham a eclodir. Não há, de fato, a obrigação de opositores de Bolsonaro se juntarem numa frente, quando, de antemão, abarcam tantas diferenças. A unidade, nessas circunstâncias, já começaria vulnerável, enfraquecida, dando margem de manobra ao oficialismo para cooptar apoios em bancadas anódinas que estarão no Congresso para ganhar alguma vantagem para seus integrantes.
O fantasma do PT na luta pela hegemonia da oposição a Bolsonaro chama-se Ciro Gomes, o ex-candidato a presidente da República pelo PDT, que ficou em terceiro lugar na disputa, angariando votos dos que estavam saturados das maracutaias do Partido dos Trabalhadores e ao mesmo tempo não conseguiram se empolgar com a retórica confusa de Bolsonaro, ainda hoje dado a recuos quase diários em pontos essenciais da formatação do seu plano de governo. A senadora Gleisi poderia ter dito, de forma mais objetiva, direta, que liderança se conquista, não se impõe. Ciro, apesar de respeitado em segmentos oposicionistas, não é propriamente confiável para liderar uma frente ampla de alegada resistência democrática. O PT, mesmo profundamente chamuscado nas urnas, ainda é o antagonista maior do presidente eleito Jair Bolsonaro, por conta da votação de 47 milhões de eleitores que apostaram fichas em Fernando Haddad como contraponto a uma extremada guinada à direita no horizonte político-ideológico brasileiro.
O problema do PT é que o partido mantém uma certa arrogância sesquipedal que o acompanha desde a fundação no Colégio Sion, em São Paulo, na distante década de 80. O PT foi arrogante no nascedouro porque era identificado como novidade em comparação com a política tradicional executada no Brasil e, por isso, atribuiu-se uma blindagem moralista que foi desvanecendo com o tempo, à medida que o partido ia chegando às esferas de poder e os seus ilustres integrantes iam avançando no erário, cometendo toda sorte de malfeitos ou maracutaias, no dizer do próprio ex-presidente Lula. O PT perdeu, então, muito do seu carisma e ingenuidade. Profissionalizou-se na arte do roubo, com dolorosa sangria aos cofres públicos e pesadas consequências para os excluídos que Lula jurara ter retirado dos guetos sociais. Que papel primeiro caberia ao PT, já nas eleições de 2018? O da autocrítica, do mea culpa. O partido nem se lixou para isso. Como continua não se lixando. Tenta posar de vestal com a máscara puída e a credibilidade jogada no chão. Isso é que dificulta a aceitação do partido na liderança da oposição a Bolsonaro. Quanto a fazer oposição, não lhe resta mesmo outro caminho. Da mesma forma que Lula já disse que o PT não deve dialogar de jeito nenhum com Bolsonaro, o presidente eleito não anda caindo de paixão ou de amores para ser auscultado pelo PT. Ao contrário, Bolsonaro quer distância dos petistas e dos ideais do PT que se confundiram com mensalões e petrolões da vida. Assim é, como parece.
Nonato Guedes