Famoso como escritor, autor de obras como Vidas Secas, Caetés e São Bernardo, que o projetaram entre os romancistas da geração modernista, o alagoano Graciliano Ramos, que morreu de câncer aos 60 anos no Rio, foi prefeito de Palmeira dos Índios, eleito em 1927 pelo Partido Democrata e renunciou antes de concluir o mandato. O velho Graça, diminutivo carinhoso com que era tratado pelos colegas de literatura, tinha uma conduta austera e foi chamado de pai da Gestão Fiscal Responsável, antecedendo, em muito tempo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi oficialmente implantada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Graciliano destilou sua verve nos relatórios que fez ao governador de Alagoas, a pretexto de prestar contas do que executou. Nisso, lembra o saudoso político paraibano Antônio Mariz, que, quando prefeito de Sousa, na década de 60, divulgava mensalmente ao público, através de serviços de alto-falante, o balancete das contas do município.
Nascido em Quebrangulo, Alagoas, Graciliano elegeu-se com 430 votos sem fazer campanha nem ter feito um único comício. Dizia que a política da época era baseada em atas falsas e lastreada em votos de defuntos. Foi o único que deixou dinheiro no cofre para o sucessor. Num dos relatórios, queixava-se que os recursos eram exíguos, o que o obrigava a um esforço redobrado. A principal meta, que sem demora iniciei, foi estabelecer alguma ordem, informava. Palmeira dos Índios era uma cidade suja, com porcos andando pelas ruas. Graciliano ordenou que os porcos fossem eliminados. Sobraram apenas os do seu pai, o coronel Sebastião. Demitiu o empregado incumbido da tarefa por não ter cumprido ordens. Enfrentou lamúrias e ameaças porque mandou matar centenas de cães vagabundos. Ele planejou construir um novo cemitério, mas não lhe permitiram. Nada a ver, claro, com o cemitério que era a obsessão de Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia Sucupira, no enredo que foi tema de seriado e novela de televisão.
Aludindo à experiência como gestor, Graciliano contava não ter achado no município nada parecido com Leis, exceto as de tradição oral, anacrônica, do tempo das candeias de azeite. Constava a existência de um Código municipal que, segundo ele, era coisa inatingível e obscura. Procurou, rebuscou, esquadrinhou, esteve a ponto de recorrer ao espiritismo, convencido de que se tratava de uma espécie de lobisomem. Enfim, descobriu a papelada, oriunda do Império. Alegava haver inúmeros prefeitos como cobradores de impostos, soldados do destacamento, coronéis, inspetores de quarteirão e fiscais. Graciliano lutou com tenacidade para pôr fim à anomalia. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, outros me davam três meses para levar um tiro. Jactava-se ele de não ter favorecido ninguém.
Dos funcionários que encontrou, restaram poucos. Saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários; cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles. Não sei se a administração é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior. Ressaltava que, possivelmente, cometera alguns disparates, por causa da minha fraca inteligência. E que havia descontentamento. Se minha estada na prefeitura por esses dois anos dependesse de plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Acrescentava ter perdido vários amigos ou indivíduos que poderiam ter essa denominação. Não me fazem falta, contudo, completava com sinceridade absoluta. Graciliano soltava presos para que fossem utilizados na construção de estradas. Desencantado com as reações, renunciou e mudou-se para Maceió, onde foi o diretor da Imprensa Oficial e da Instrução (secretário de Educação). Acusado de envolvimento em atividades extremistas, foi preso em 36 e solto em 37 por falta de processo regular. Mudou-se para o Rio, onde se dedicou ao jornalismo e produção literária. Faleceu em 53. Era irônico nos relatórios oficiais e nos textos de livros. Como gestor, atribuíram-lhe o epíteto de sui generis. Combinava com seu perfil.
Nonato Guedes