O folclore político brasileiro está repleto de histórias de líderes e parlamentares que têm ojeriza à oposição são aquelas pessoas que, por comodismo ou necessidade de sobrevivência, preferem ficar com os governos de plantão, sejam quais forem os titulares ou os partidos a que pertençam. O tropismo em direção ao poder pode ser medido agora, no ensaio para a posse do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que se lançou como um outsider, arrebanhou milhões de votos e, mesmo formando um ministério sem maior articulação com as cúpulas partidárias, já tem garantida a governabilidade na Câmara, faltando pouco para fechar o mapa no Senado favorável à aprovação de matérias que vier a encaminhar.
Até o começo dos anos 2000 havia, na Paraíba, um deputado federal que assumia não suportar estar na oposição a dois governos federal e estadual. Era o agropecuarista e industrial Adauto Pereira, deputado federal pelo PFL e com raízes políticas em Pombal, onde seu pai, Francisco Pereira, e os irmãos Aécio e Ademar foram também parlamentares, este último com passagem pela Câmara. Adauto, que morreu em 2003 em Santa Catarina, tinha como líder de partido na Paraíba o então senador Efraim Morais, presidente do PFL, hoje Democratas. Quando da votação de reformas do governo Lula, Adauto perguntou a Efraim se o partido iria fechar questão contra as matérias. Efraim disse que não. Fico mais à vontade assim, reagiu Adauto, que era avesso à tribuna mas assíduo em ministérios e gabinetes oficiais, onde se fazia incansável na luta pela liberação de recursos. Desse ponto de vista, chegou a ser tido como o mais municipalista de todos os parlamentares. Estava no sexto mandato e exercia influência sobre quase 40 prefeitos. Também não gostava de dar entrevistas. Divergiu do apoio ás candidaturas de Lúcia Braga e José Maranhão, mas sempre conciliava suas posições e dava um jeito de escafeder-se.
Quando fez o desabafo de que não suportava fazer oposição a dois governos, ele cogitava deixar o PFL e ingressar numa legenda que estivesse, pelo menos, na base de apoio ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que empalmava o poder pela primeira vez, enquanto, na Paraíba, Cássio Cunha Lima vivia sua primeira experiência como governador. Efraim Morais garantia, na época, que Adauto Pereira de Lima estava em processo de acomodação no PFL- o que talvez significasse liberação para votar matérias de acordo com seus interesses. Com a sua morte, a bancada do PFL na Câmara ficou sem nenhum deputado. Marcondes Gadelha, que migrara para o PTB, ascendeu, em consequência, ao mandato titular federal. Em relação a Marcondes, pelo menos em duas ocasiões assumiu titularidade de mandatos devido a mortes de titulares: quando da morte de Adauto, em 2003, e este ano, com a morte de Rômulo Gouveia, do PSD. Marcondes, atualmente, é filiado ao PSC, preside o diretório regional do partido e assegura que concluída a sua passagem, dará adeus à vida pública. Tenciona passar o bastão ao filho Leonardo, que se candidatou à Câmara e foi prejudicado por insuficiência de preciosos votos na contagem final para ascender ao mandato.
Em relação a Adauto Pereira, ele foi constituinte em 1988 e obteve média final 1,0 na avaliação do rigoroso Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar, o Diap. Membro da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias, Adauto, no mandato anterior, não havia apresentado nenhum projeto de lei e ausentou-se nas votações dos decretos-leis de arrocho salarial. Votou em Paulo Maluf para presidente da República e a atuação na Constituinte foi coerente com seu conservadorismo. Ele votou contra a nacionalização do subsolo e disse sim aos cinco anos para José Sarney. Simpático à União Democrática Ruralista-UDR, disse não à reforma agrária. Votou 100% com o Centrão, agrupamento de direita que funcionou na Constituinte. Nessa mesma Constituinte, Marcondes Gadelha era senador pelo PFL e obteve média final 2,5 porque, segundo o Diap, por conveniência política se aliava aos setores mais conservadores da política e evitava participar de votações polêmicas. Fosse deputado na atual conjuntura, Adauto Pereira certamente estaria fechado com Jair Bolsonaro desde o início da campanha eleitoral.
Nonato Guedes