Como aperitivo para o lançamento, logo mais à noite, na Fundação Casa de José Américo, pelo acadêmico Flávio Sátiro, do primeiro volume da mais completa biografia sobre o ex-governador paraibano Ernani Sátyro, repasso algumas historinhas que compõem o folclore disseminado em torno do Amigo Velho, tratamento que ele dispensava a todos. Sátyro contou-me, certa vez, que depois de Hitler, foi ele quem falou mais alto na Alemanha, referindo-se a um discurso pronunciado no Parlamento germânico, em missão da Câmara Federal, quando surpreendeu a plateia com sua voz tonitruante. O ex-ministro Abelardo Jurema lembra que, mesmo sendo visceralmente político, Ernani nunca se jactava de ser homem do povo, no sentido demagógico e numa alusão aos que cortejam a popularidade fácil.
De uma autenticidade que chocava, Sátyro fugia dos salamaleques do agrado costumeiro para se tornar viril nas afirmações, ainda que desagradando a quem quer que fosse. Há episódios a perder de vista nesse filão. Num almoço na praia de Tambaú, em João Pessoa, homenageado por tradicional família, com a feijoada cobrindo já o prato, ao ser convocado pela dona da casa, presidente de uma maternidade de cidade paraibana, para assegurar ajuda financeira ao empreendimento, foi logo dizendo: Se soubesse que o almoço era para pedidos, não teria vindo. Conta Abelardo que até o mar se encapelou. De outra feita, ao sentar-se à mesa para almoço em sua homenagem, aceito o convite com o compromisso de que não haveria discurso, foi deparando com um dos circunstantes que há estava puxando a peça do bolso. Não titubeou: Com discurso, vou-me embora. Guardou-se o discurso e a peixada continuou.
Quando governador, recebeu o diretor da Polícia Federal que foi lhe pedir o avião do Estado para pesquisar contrabandistas no litoral. Respondeu que não poderia ceder a aeronave por vários motivos, entre eles o de que o piloto era civil e contratado para missões pacíficas, e ainda porque o avião era executivo, também para missões pacíficas. Narra Abelardo que o policial, em tom de quase censura, disse que era a Revolução que assim o exigia. A Revolução aqui no Estado da Paraíba sou eu, que governo por indicação do presidente da República e ratificação da Assembleia Legislativa do Estado, cortou secamente. No Hotel Serrador, no Rio, presentes deputados e jornalistas, disse de alto e bom som que era reacionário quanto à reforma agrária e a outras questões, o que arrancou do conterrâneo José Joffilly o reconhecimento: Poucos homens são sinceros como o Ernani. Não adula ninguém, não corteja elogios, nem quer ser bom moço, afirmando corajosamente o que é realmente.
Diálogo áspero, contundente até, teve Ernani com o presidente Jânio Quadros, numa recepção no Palácio da Alvorada, quando eram recebidos parlamentares. Em massa, a UDN. Um parlamentar do PSD aproximou-se de Ernani e pediu-lhe que o levasse ao presidente .Era só para um cumprimento. Ao cumprimentar o presidente, o deputado disse que não tinha nada a pedir a não ser a elevação de quotas de importação para seu moinho de trigo. Jânio chamou José Aparecido, seu secretário, e disse-lhe: Tome nota, Aparecido, o que é o Congresso Nacional. Ernani disse para o presidente que aquilo não era o Congresso. Jânio insistiu para Aparecido tomar nota, quando Ernani, segurando o braço de Aparecido e em tom quase gritando, olhando firme para Jânio, disse: Não, Aparecido, isso não é o Congresso Nacional. Não é não, Aparecido. O presidente misturou-se a outros grupos e Ernani nunca mais foi à presidência na gestão dele.
Nonato Guedes