A jornalista paraibana Rachel Sheherazade, que foi convidada, por instâncias de Sílvio Santos, para ir atuar em São Paulo, na bancada de apresentação do telejornal do SBT, sempre foi tida como conservadora e direitista, ilação extraída pela mídia e por setores intelectuais em função de comentários por ela expostos a respeito de temas os mais diferentes e, por isso mesmo, controversos. Não há registro de militância de Rachel em qualquer organização política-partidária, mas o claro indício de posicionamento político nos pontos de vista que externa custou-lhe, além do rótulo, a suspeita de ativismo, o que nunca foi comprovado.
Ultimamente Rachel atraiu os holofotes com opiniões que não são favoráveis ao presidente eleito Jair Bolsonaro e ao governo que ele promete implantar a partir de janeiro. Sheherazade insinuou que não estamos em uma ditadura militar, que vigorou de verdade entre 1964 e 1985, aludindo à presença maciça de militares na formação da equipe e até mesmo de entourage do presidente eleito. O fato concreto é que a atenção desmesurada que Bolsonaro dispensa a militares, quase diariamente batendo continência para eles ou se confraternizando com a caserna, incomoda a sociedade brasileira porque pressupõe vagamente preferências por sistemas que não são democráticos. O governo que se monta parece mais um quartel do que propriamente um governo. Fora daí, não é possível afiançar que Bolsonaro planeje um golpe militar, uma quartelada nos moldes da que foi instaurada em 64 e que acarretou prisões arbitrárias, torturas, censura e expulsão de muitos dos melhores cérebros do Brasil.
Diz o juiz Sergio Moro, futuro ministro da Justiça no governo Bolsonaro, que não enxerga no desenho da gestão do presidente eleito qualquer risco de autoritarismo ou ameaça à democracia. Moro ainda é confiável, apesar de ter sido fuzilado na mídia por setores atrelados ao PT que o acusaram de ter deixado cair a máscara de algoz do ex-presidente Lula da Silva ao aceitar ser ministro de Bolsonaro. Mas Sergio Moro, que executou a operação Lava-Jato, continua sendo um homem sério, até prova em contrário. Daquele tipo que é capaz de largar o ministério se pressentir alguma coisa fora da ordem. A sua formação é jurídica, não é militarizada, diga-se de passagem.
Será preciso conter o presidente Bolsonaro em muitas coisas até porque é inevitável o tropismo dos remanescentes do autoritarismo, dos saudosistas da longa noite das trevas, em demanda do homem que derrotou o PT e o professor Haddad. E essas figuras, algumas notoriamente abomináveis, podem acabar persuadindo o presidente a fazer o que não deve, se não se formar uma couraça em torno dele como antídoto aos instintos primitivos que ainda vigoram nas entranhas da sociedade. Quanto a Rachel Sheherazade, nunca deixei de admirá-la, ainda que não concordasse com muita coisa que dissesse. Fiz questão de ir ao lançamento do seu livro O Brasil tem cura e abraçá-la como uma companheira vitoriosa que chegou a pontos culminantes na carreira. Abstraindo equívocos de concepção refletidos em análises que produz para o telejornal do SBT, Rachel não é, nunca foi, o terror de saias que se tenta estigmatizar perante parcelas da opinião pública. Quanto a mudar de ideia, é positivo. Um sinal de que não tem ideia fixa nem obsessão por dogmas ou mantras que são vendidos no mercado das ilusões neste País. Quer tenha feito uma guinada ou não, o importante é que Rachel Sheherazade nunca perca de vista a necessidade de ter postura crítica para poder emitir juízos com segurança. Pessoalmente, continuo acreditando na profissional que conheci.
Nonato Guedes