Hoje é o transcurso dos 50 anos da edição, pelo regime militar, do Ato Institucional número cinco, que implantou o terror no Brasil, com suspensão de habeas-corpus e outras garantias individuais, censura à imprensa, fechamento temporário do Congresso, cassações de mandatos de políticos, punições contra líderes sindicalistas, estudantes, religiosos, magistrados e proliferação da impunidade nos porões com torturas e assassinatos de opositores. O pivôt do AI-5 foi o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, protestando contra a invasão da Universidade de Brasília, conclamando o povo a boicotar o Dia da Pátria Sete de Setembro e aconselhando as moças a não dançar com os cadetes nos Bailes da Independência. Acrescentou que os quartéis eram covis de torturadores. O governo pediu licença à Câmara para processar o deputado, mas o plenário negou por 216 a 141 votos. A resposta não tardou e veio com o AI-5. A ditadura teria poderes de vida e morte sobre todos os cidadãos.
Era a longa noite das trevas, o golpe dentro do golpe, a radicalização aguda do regime autoritário que vigorava desde março de 64 com a deposição do presidente João Goulart. O presidente Costa e Silva se reuniu com o Conselho de Segurança Nacional no Palácio das Laranjeiras, Rio, para votar o quinto Ato Institucional redigido pelo ministro da Justiça, Gama e Silva. Dos 23 presentes, como relatou edição recente da revista Caros Amigos, apenas o vice-presidente Pedro Aleixo ficou contra, alertando que o Ato conferia poderes atrabiliários ao regime. Aleixo sugeriu o estado de sítio como alternativa, justificando que por aquele caminho estariam instituindo um processo equivalente a uma ditadura. A palavra ditadura estava na boca de outros conselheiros, como o coronel Jarbas Passarinho, que, no entanto, considerando-a inevitável, pronunciou célebre frase: Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência.
Ao general Olympio Mourão Filho, que precipitou o golpe militar em 64, Costa e Silva disse depois sobre os dois textos de AI-5 que lhe levaram: Se você lesse o primeiro, cairia duro no chão. Era uma barbaridade. Fechava-se o Congresso, modificava-se o Poder Judiciário através de outras medidas de caráter nazista feroz (….) como quem toma um purgante ruim, assinei-o. Mourão Filho contou que disse a Costa e Silva que ele deveria ter dado dois murros na mesa e aqueles militares se recolheriam às suas insignificâncias. A historiadora Maria Aparecida de Aquino lembra que após o AI-5 o governo aumentou a censura, proibindo notícias que faziam críticas ao regime militar ou apontavam para ações repressivas dos governos, torturando, matando, fazer desaparecer seus oponentes e 9…) também críticas à política econômica do governo e à abertura desenfreada ao capital estrangeiro.
O jornal O Estado de S. Paulo ficou sob censura prévia de 1972 a 2975. Publicava trechos do poema épico Os Lusíadas, de Camões, nos espaços das matérias censuradas. Em 14 de dezembro de 1968 no Rio o Jornal do Brasil circulou com notícias estranhas: Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Ou: Ontem, foi o dia dos cegos. O AI-5 foi aprovado por quase unanimidade pelo Conselho de Segurança Nacional e, na prática, anulava a Constituição de 1967. Escurecia mesmo o tempo. Os defensores da revolução de 1964 faziam toda a sociedade brasileira refém do arbítrio. Aqueles acontecimentos devem ser relembrados para que a sociedade tome consciência da necessidade de preservar a democracia das tentações totalitárias, que são recorrentes.
Nonato Guedes