O pré-governo de Jair Bolsonaro a partir de 2019 tem sido pontuado por duas características marcantes a indefinição sobre metas relevantes e a confusão de declarações entre ministros e assessores, que são constantemente desmentidos pelo mandatário. A parte que interessa à população do semiárido nordestino é a indefinição acerca da continuidade do projeto de transposição das águas do rio São Francisco. É um projeto oneroso, disso todos sabem, mas foi deflagrado com muita obstinação, justiça se faça, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e avançou mais do que se esperava. Mas também enfrentou obstáculos, inclusive denúncias de superfaturamento.
Nada que a democracia não corrija ou que os tribunais encarregados de zelar pelo uso correto e aplicação devida dos recursos públicos não sejam eficientes para transpor vícios e dificuldades operacionais. O projeto de transposição de águas do velho Chico, também conhecido como projeto de interligação de bacias, sempre foi ambicioso, desde dom Pedro, nos tempos do Império. Foi uma fórmula sugerida não como pomada maravilha para decretar o fim da estiagem, que é cíclica, mas como instrumento de convivência com a seca, de modo a evitar o êxodo rural e das pequenas cidades e, mais do que isso, assegurar condições para a permanência do sertanejo em sua terra.
Cabe lembrar que houve embates sérios, gravíssimos, no meio do caminho. Expoentes e lideranças de estados do Nordeste dividiram-se sobre as vantagens da transposição. Na Bahia, um bispo chegou a fazer greve de fome contra a transposição, numa manobra para sensibilizar autoridades e sociedade a desistirem do projeto. Não foi levado a sério ou, pelo menos, não logrou êxito na empreitada de boicotar a transposição. O atual deputado federal paraibano Marcondes Gadelha, estudioso e especialista no tema da transposição, chegou a enfrentar hostilidades em algumas regiões quando lá compareceu para desfiar números e informações sobre a obra revolucionária de engenharia. Lamentou que irmãos de uma mesma região calcinada pela escassez de água ou pela falta de chuvas se entredevorassem. Para Marcondes, uma autofagia incompreensível, inexplicável, injustificável.
Em pleno governo de Michel Temer, poucos dias antes de ser preso por outras razões, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva veio à Paraíba, em companhia da ex-presidente Dilma Rousseff, a convite do governador Ricardo Coutinho, para assistir de perto à chegada das águas em eixos estratégicos da Paraíba interligados com Pernambuco e outros Estados. Lula ficou particularmente emocionado, não só pela concretização de um sonho que sempre teve como porta de entrada para a redenção do Nordeste mas por causa de suas origens, em Pernambuco, onde teve uma visão, ainda quando criança, do cenário trágico que a seca produz. O presidente Michel Temer, se não chegou a bombardear o projeto de transposição, não lhe dedicou maior atenção, quer por falta de sensibilidade, quer por falta de compromisso com a continuidade de obras de infraestrutura, essenciais para regiões pobres. Até aqui, Jair Bolsonaro não disse nada a favor ou contra sobre o projeto de transposição. Oxalá não resolva abandoná-lo por mera retaliação, devido ao fato de que parcela expressiva do eleitorado nordestino votou em Fernando Haddad, do PT, para presidente, não nele. É preciso ter grandeza e, além do mais, não brincar com as carências do povo.
Nonato Guedes