Um momento emblemático vivido anteontem na Paraíba não passou desapercebido ao colunista e escritor Abelardo Jurema, do Correio da Paraíba: a pacífica e civilizada transmissão da faixa de governador do Estado, da parte de Ricardo Coutinho para João Azevedo. Certo, são parceiros de longas datas e o que mais ambos têm feito é justamente alardear o clima de entendimento, a atmosfera de camaradagem, com respeito aos estilos de cada um. Mas, como pontua Abelardo, alertado por um internauta-leitor, há cerca de 20 anos a Paraíba não testemunhava uma cerimônia desse jaez.
O que acabou virando praxe, no cenário institucional do Estado, foi a recusa de governantes em fim de mandato em passar o cargo a sucessores, como se quisessem fixar para todo o sempre a imagem de que continuam governadores. Abelardo mencionou casos mais recentes, como o de José Maranhão, que não passou o governo para Cássio Cunha Lima em 2006 nem para Ricardo Coutinho em 2010. Só para lembrar aos desavisados: em fevereiro de 2009, Maranhão e Luciano Cartaxo foram investidos no governo como segundos colocados na disputa de 2006, devido a uma decisão judicial que promoveu a cassação de Cunha Lima, ainda hoje contestada. Faltou a Abelardo registrar que a chegada da faixa ao ombro de Maranhão em 2009 foi uma verdadeira via crúcis.
O então presidente da Assembleia, Arthur Cunha Lima, chegou a dar expediente por algumas horas no palácio da Redenção enquanto Maranhão e Cartaxo eram diplomados no tribunal. Quando governador e vice chegaram à sede do Executivo, enfrentaram toda sorte de dificuldades até para adentrar ao regime. Ficaram tateando em busca de informações que lhes permitissem assenhorear-se do comando do governo. Isto implicou, por óbvio, em perda de tempo, sobretudo para arrumação do caos que havia sido adrede instaurado por mera vindita ou revanche, picuinha reprovável que, infelizmente, prolifera com abundância nos quadros políticos paraibanos.
Um outro episódio dramático foi o da transmissão de cargo do governador biônico Milton Cabral para o ungido nas urnas em 86, Tarcísio de Miranda Burity. Milton já alimentava paranoia de conspiração contra o fim do governo, suspeitando que secretários da sua equipe já buscavam o escritório da Cocepa para despachar com Burity e repassar-lhe dados valiosos sobre a herança maldita que estava sendo construída. Burity recusou apelos de Cabral para recebê-lo, acusando-o, antecipadamente, de ter feito uma ação de terra arrasada à frente da Curul governamental. Milton cogitou pedir a intervenção de dom José Maria Pires para mediar uma conversa entre ele e Burity, mas, naquelas circunstâncias de temperatura e pressão, o melhor era que isto não acontecesse.
As solenidades de transmissão de cargo, a rigor, foram idealizadas para constituir símbolos da democracia, refletidos na representação da vontade de eleitores. São uma espécie de coroamento de disputas geralmente acirradas e sinalizam, também, para o desmonte dos palanques, já que o ungido dispõe de toda a legitimidade possível para se anunciar como representante do povo. O que atrapalha é a falta de grandeza de alguns governantes. Esta é uma anomalia que precisa ser definitivamente arquivada nos escaninhos da história de ontem no Estado.
Nonato Guedes